segunda-feira

onde canta o sabiá


Li. Escrevi. Fiquei em casa. Fez sol. Sozinho. Depressão? Nada.
Hoje teve arroz com feijão.

quality critic 2.3

Mas eu não entendo a birra com o modelo evolucionista. O reconhecimento das pequenas variações de design ao longo do tempo, e como essas mudanças tênues se acumulam em resposta a pressões seletivas (e a possibilidade de tentar identifica-las, e o quanto isso nos diz a respeito das idéias, dos povos e dos contextos), e a ordem no meio do caos, uma organização na beira do caos, um princípio único -pra genes, linguas, religiões, máquinas- que no entanto cria tanta diversidade, é muito do caralho.
Falar que esse entendimento analítico do mundo acaba com o mistério, com a graça da coisa, é tão estúpido quanto falar que um cara entendido de futebol se diverte menos assistindo Brasil vs Argentina, ou que alguém entendido de cachaça aprecie menos seu sabor. É justamente o contrário.
Voltando ao Pedro, existe todo um rigor histórico que pode advir de se descrever as mutações meméticas que ajuda muito a explicar -e na verdade mostra uma interdependência realmente transdisciplinar, matando no rigor, e não no otimismo, os vazios entre economia e genética, historia e psicologia, geografia e linguística. Quando não se faz isso rigorosamente, só se dá espaço ao lirismo, na melhor das hipóteses, e a ideologia -bem mais comum e perigosa. Não vamos esquecer que a raça ariana foi uma estrapolação mal feita entre uma idéia filológica e uma genética tosca, embrulhadas em uma economia de guerra num contexto histórico de extremos -ouvindo Wagner.
Duvido que o "esclarecimento conceitual" pudesse ter evitado a alemanha nazista, mas a proliferação de "vacinas meméticas" podem minar alguns efeitos que são usados por políticos, religiosos e ideólogos variados. O questionamento de autoridades, seja ele nos sabores ceticismo, punk ou empirista, são barreiras que podem ser usadas como anticorpos, e quanto mais articulados esses anticorpos forem com um sistema de visões alternativas dos mesmos fenômenos -da vida, do mundo, das pessoas- mais perto se está de realmente entender uma justificativa racional (e não só necessariamente moral ou estética) para a tolerância que existe no estudo, e não na defesa apaixonada, das idéias.
Esse é o tipo de proposta que tem em sua raíz uma preocupação com erros de memória (porque esses erros, essas mutações, são uma de suas bases de estudo), e percepção das idéias pelo seu valor em si, e não por maquiagens menos funcionais, como essa neofilía que assola alguns meios acadêmicos.
O judaísmo deu origem a mutações que passaram por processos acelerados de diferenciação em sua gênese, mas que hoje estabilizaram uma série de mecanismos de "fidelidade de cópia", como as instituições das igrejas católicas ou os califados. Entender os mecanismos de evolução, genética de populações e seleção natural é muito produtivo -e cheio de pontes pra outros fatores- para se ver porque e como isso se deu, o modelo darwinista dá o mapa e o mecanismo, não o nome das cidades ou o formato do vale. Mais do que pseudo-respostas como "ajudar a impulsionar" ou "racionalizar os acontecimentos da melhor forma que a sua estrutura lógica permite" (quem diria 100 anos atrás que dançar com o padre marcelo rossi seria permitido dentro da "estrutura lógica católica"?), temos um algoritmo pra trabalhar. E ainda tem muito trabalho. Como toda boa idéia, a seleção natural faz a parte difícil do entendimento, que mais do que dar as respostas, é dizer quais são as perguntas certas.

quality critic 2.2


Mas talvez a grande diferença sejam os enquadramentos, as diferenças nas metáforas usadas no pensamento evolucionista e na crítica do Pedro. Quando esse brilhante rapaz fala de "[idéias] que impulsionam mudanças ou revoluções" vêm a mente coisas paradas que servem de apoio umas pras outras, elementos que se revelam perdurando no tempo com um pouco de limo nas frestas, mas ainda cumprindo uma função, e outros ainda soterrados por novos elementos, que por sua vez não fazem mais do que nos impedir de apreciar a força e beleza dos blocos antigos que são sua base.
É uma maneira interessante de ver as coisas, e com certeza deve ter suas virtudes em determinados contextos (como a sobreposição de interpretações históricas, as tentativas de revisionismos, as mitologias, o esquecimento, as arqueologias, etc).
Ou pra pegar a parte "viva" da metáfora usada na crítica, substitua blocos por plantas. Imagine grandes árvores se amontoando ao longo da história, algumas crescendo altas e finas, enquanto outras permanecem mais baixas, porém robustas, e tudo isso com ervas trepadeiras e plantas menores e musgos adicionando a variedade. Talvez nesse sentido seja sim uma pena a perda de algumas orquídeas, ou quando desaba um velho jequitibá, o mesmo que servia de abrigo pra tantas outras idéias.

quality critic 2.1 -comecemos com a autópsia

Evidentemente falar de "atualidade" e "novidade" de idéias (ou qualquer outra coisa) é uma atividade bem frouxa, afinal, são adjetivos que significam uma relação com alguma outra coisa. Falar que uma coisa é "atual" ou "viva" porque ela ainda existe -fora dos museus ou dos livros de história- não quer dizer muita coisa. Posso falar que o cristianismo é mais atual (ou novo) que a democracia, ou que o feminismo é mais velho (e no entanto atual, ainda "existe") do que o computador, mas essas frases são tão imprecisas que acabam não significando muita coisa.
Nisso entra também um outro problema de classificar o que quer que seja como isso ou aquilo, que é um essencialismo mal feito. Falar por exemplo de uma "atualização" de uma idéia é querer dizer que existe algo em si nessa idéia que ganhou alguma diferença que não mudou sua essência. O que é essa coisa? Vou poupar o leitor (provavelmente o Zé, quem sabe o Pedro dessa vez) de muita filosofia pré-marx-nietzsche-wittigenstein e adiantar que isso é besteira. Afinal de contas, chamar a democracia grega pelo mesmo nome que o que existe hoje no Brasil -com sufrágio universal (mulheres, analfabetos, militares, maiores de 16 anos, etc), voto obrigatório, financiamento público de pequenos partidos, e constituição escrita- é um salto de fé. O computador, quando começou a existir? São nomes arbitrários, que a não ser que sejam castrados de suas aspirações poéticas com definições chatas, nos dizem muito pouco. Convenhamos, qual a "estrutura lógica" de uma idéia tão antiga -e cheia de variações- como o cristianismo? Ou da medicina? Isso não existe. Em contextos históricos diferentes, e mesmo em contextos culturais diferentes mas contemporâneos, sempre existem diversas variações nas idéias, por mais que existam mecanismos pra tentar preservar sua pureza, eles nunca funcionam 100%.
As coisas existem em contínuos, em pequenas variações que dão origem a outras variações, e algumas dessas são extintas e outras perseveram, dando origem a diferenças que as vezes nos iludem a pensar em tipos puros. Mas isso não existe fora da física e da matemática. E antes que eu me esqueça, não entendi o exemplo do éter. Que eu saiba a relatividade precisou se livrar do éter pra mostrar a constância da velocidade da luz no vácuo (porque se tivesse éter teria atrito e complicações, blablabla).

quality critic 2 -dessa vez o conteúdo


Pedro me escreveu isso, em uma resposta ao fedor de darwinismo que assola minhas idéias:

"As permanências de estruturas históricas não tedem apenas a impedir ajustes de categorias para que elas se tornem mais adaptadas ao tempo. Muitas das chamadas permanências, foram justamente o que impulsionaram mudanças epistemológicas ou revoluções no conhecimento e nas estruturas científicas [apenas como anedóta, podemos citar o caso de como a crença no éter possibilitou a compreensão da dimensão do espaço-tempo]. A noção mesma de "resistências", "permanências" ou, como diriam os evolucionistas, "sobrevivencias" me parece um tanto equivocada. Todas as idéias são vivas e atuais, todas se modelam aos paradigmas que lhe são impostos e racionalizam os acontecimentos da melhor maneira que a sua estrutura lógica permite. Afinal, se estão junto conosco cronológicamente, não são também nossas contemporaneas? Mesmo que suas bases possam remeter a anos ou séculos, convivemos com essas idéias no presente. E algumas delas podemos certamente lamentar a perda se um dia se foram, pois muito do que hoje é chamado de "novo" não passa de um equívoco da memória."

direto do moleskine vi: coices intelectuais


A falácia do economicismo em assumir que sempre se vive na melhor configuração possível do mercado é análoga ao "adaptacionismo" na biologia. Flutuações randômicas, drifting e o efeito qwerty abundam. Sem contar que os gostos, modas e espíritos animais são muito mais complexos como pressão seletiva do que os encontrados na biosfera, porque englobam essa. Relações de poder. Bom e velho Tucídides, avô bastardo do pós-modernismo (por uma interpretação simplista do jovem Nietzsche), e parente legítimo de Machiavel (o defensor mais pragmático e irônico da democracia popular). (essa foi pra você Pedro, também sei citar gregos).
-No entanto, existe uma inércia nos elementos de mercado que inviabilizam as optimizações possíveis em cada cenário específico porque cada momento no tempo herda de seus antecessores certas condições (organizações, tradições, estruturas) que resistem a mudanças, e em alguns casos, especificamente criadas para durar no tempo. A máquina do determinismo histórico, das ruínas que são sempre a base do novo. ex-maquina.
-O capital tem que fluir por esses caminhos engessados, como pulsão pelo aparelho psíquico neurótico, que pra Reich vira a couraça que acaba tranformando, em uma filtragem reversa, orgon em D.O.R. Regularização do mercado como castração do desejo, rodada de Doha como estágio do espelho, Lacan como FMI e suas receitas que não ajudam ninguém.
Revolução como catárse, trabalho como terapia, psicanálise como marxismo early milton santos. é preciso filtrar, com cuidado. e fingir. fingir até não saber mais a diferença, em uma lição do behaviorismo que só funciona porque o behaviorismo está errado. 1984 como auto-ajuda. rizomatizando a Matemática do Desespero, sobre calcular o imposto em cima do salário mínimo inglês com aluguel londrino. pelo menos o vinho francês é bem barato.

direto do moleskine v

A procura de inteligência entre a classe baixa londrina.
Etnografia da comunidade brasileira em Londres.
Estudo de caso #002: eu

*"Hoje tava polindo talheres quando comecei a delirar, sonhar acordado que algum antigo conhecido entrava no bar, me reconhecia e me chamava empolgado pra trabalhar em um emprego decente, falando que eles estavam procurando a meses alguém como eu.
Quase comecei a chorar pensando nisso. Chorar feito um crente que teve os olhos curados pelo pastor, ou que se levantou da cadeira de rodas. Aparentemente deus já tem fiéis o suficiente, nem um empreguinho me cai do céu."

Evidentemente o sujeito passa por uma privação nutricional que tem afetado seu rendimento cognitivo ao ponto da estafa egóica. Recomenda-se uma passada de mão na cabeça e um chute na bunda, acompanhados de todos os narcóticos que seu minimum wage puder pagar.
Desaconselhada exposição prolongada à sujeitos bem sucedidos, uma vez que esse estímulo pode agravar seu atual estado de dissonância na auto-imagem, evidenciando seus fracassos frente a um meio que nem é tão adverso assim. Fucking loser

crenças


Acho uma cretinice quando alguém tenta acabar uma discussão falando que é uma questão de crença. É inegável o valor que as crenças tem no pensamento -elas são os atalhos da mente. Um caminho tortuoso de questões profundas e delicadas (que bons filósofos percorrem) é cortado com a velocidade de uma moto num rali. Crenças são rápidas demais, elas acabam atropelando a razão de vez em quando. Mas o pior de tudo é que os pilotos de rali não aproveitam a paisagem, preocupados em chegar logo no fim da corrida, e essa é toda a graça de uma conversa sem nenhum objetivo.
É muito divertido lembrar as pessoas dos limites do que elas pensam, lembrar da miopia das convenções e do senso comum. Outro dia tentava conversar sobre como o sucesso comercial de um artísta pode ser um indicativo pobre da qualidade da sua obra. Nada demais, clássica discussão que acaba entrando nos méritos dos critérios, da crítica, do sistema, blablabla. Mas ao invés disso, a discussão tomou um rumo estranho, e minha tentativa de relativisar (e por isso minimizar) o dinheiro foi vista como pouco realista, e os atalhos começaram a se mostrar. "Quando se tem que comer é que importa o sucesso comercial" ou "se você tivesse filhos entenderia a necessidade de sucesso comercial" e derivados.
Primeiro eu estranhei a mudança do foco da discussão, afinal, estava bem abstratamente (e talvez isso seja difícil) falando de arte e seus critérios, não propondo a abolição do sistema monetário e suas virtudes para o indivíduo. Mas eu gosto desse jogo, e nesse pensamento, a primeira coisa que me veio a cabeça é que grande parte de qualquer "sucesso comercial" é a racionalização de gastos, e nessa visão empobrecida da coisa toda, falar em ter filhos é uma estupidez enorme pra qualquer homo economicus. Na verdade, qualquer empreendimento artístico é completamente idiota se o objetivo (somente, ou principalmente) é o tal do "sucesso comercial". Talvez o problema maior desses atalhos da mente seja o fato de que se você os leva a sério e segue em frente, descobre que não passam de becos.

quinta-feira

quem é quem no buteco: eva

Eva é alemã, e não gosta de alemães. Me comprimenta com murros de adolescente. Como estou muito magro, dói consideravelmente. Eva odeia quando eu fico perguntando como se fala alguma coisa em alemão, ela acha a lingua feia. No primeiro dia tentei puxar conversa com ela perguntando se eva era um nome comum na alemanha, porque eu só lembrava da Eva Braun. Ela, que como aparentemente todo alemão, tem o tabu do nazismo, fechou a cara e não falou mais comigo.

quarta-feira

quem é quem no buteco: andréas

Andréas é colombiano. Baixinho, moreno, sotaque e cara de latino. Era engenheiro de produção em seu país, convenceu seu patrão que seria bom pros negócios se ele aprendesse inglês na Inglaterra. Combinaram seis meses, mas ele está aqui a dois anos. Gosta muito dessa coisa de cada um na sua, de que em Londres tu pode ser do jeito que quiser que ninguém tá pouco se importando. Mora em Camden, e vai a loucura sempre que toca madona no pub (o que infelizmente acontece com certa regularidade).

quem é quem no buteco: tânia

Tânia é da eslovaquia. Baixinha e loira, as calças e calcinhas inglesas indicam que ela já está meio caidinha, deve ter vivido intensamente a juventude. Veio pra Londres atrás de um namorado que a largou rapidamente, e a algum tempo tem saído com um homem mais velho. Tem cara de que chora quando bebe. Não quero descobrir.

quem é quem no buteco: anthony

Anthony é um dos managers. Trinta e poucos ou vinte e muitos, quando ele quer beber mais do que já faz normalmente, deixa a gente tomar um quick pint no fim do expediente. Quase gosto dele nessas horas. Adora a porcaria pop que fica tocando o dia inteiro no bar. Muito sem graça, cara de loser e meio chubby, podia ser um personagem de seriado americano tipo friends.

quem é quem no buteco: a irlandesa

Tem uma irlandesa de cabelos vermelhos tingidos, fala gritando, histericamente, em abundantes palavrões. Ri alto e dá chilique com qualquer coisa. Deve ser dessas que quando góza fica calminha, de banshee pra baiana. Nunca vou saber.

terça-feira

velhice


velhice é o quanto se fica pensando nas coisas que não tem como resolver. ou se pensando nas coisas que nunca vai fazer. ou nas coisas que já foram e não foram resolvidas. velhice também é desistir de vez de pensar nisso tudo. velhice é isso tudo, mas no fim das contas velhice tem a ver com a covardia frente a solução de todos os problemas, a solução final.

caminhoneiros choram ouvindo isso

clique no Caruso

segunda-feira

garçonagens: dois dias de folga seguidos!


O terrível paradoxo de receber por hora de trabalho: ou se labora feito um burro (em um serviço pra burros) até doer os ossos por um dinheiro que talvez pague as contas, ou se vive um pouquinho bem e não recebe quase nada.
Antes dessa folga garçonei dois dias seguidos em turnos de 12 horas. Somadas umas duas horas e pouco de transporte cada dia, foram mais de 28 horas em 48. Minha meia hora de folga (a cada seis) não é paga, e se quiser comer alguma coisa (que não sejam restos dos pratos -o que eu ainda não faço) tem que pagar. Tudo evidentemente ouvindo uma playlist non-stop de hits da música pop.
Eu tenho certeza que em algum momento da minha adolescência eu descrevi algo parecido como sendo pra onde eu iria depois de morrer levando uma vida pecaminosa.
Pra que deixar pra depois o que se pode fazer agora né?

alguem me pague para ser designer 2

sábado

direto do moleskine iv


Pouco antes de adormecer tem sido frequente a proliferação automática de rimas, haikus, roteiros, teoremas filosóficos e epifanias inespecíficas.
Tenho um grande prazer em me deixar esquecer essas pequenas maravilhas. Um prazer enorme em desfrutar do egoísmo de saber que só eu vi aquilo, só eu sei como parece. E só eu naquele instante: meu futuro eu não vai fazer idéia do que se trata, só vai saber que perdeu porque não estava lá.

da necessidade da diferença 1.4


chega de falar de evolução. cansei. escrevo muito pior do que eu gostaria, fica pedante demais pro meu gosto. se alguém (ha-ha) se interessou, procure qualquer coisa dos ótimos Dawkins, (gene egoísta) Dennett (darwin´s dangerous ideia -esse inclusive com um capítulo sobre os desentendimentos de Nietzsche e o que ele achava que era darwinismo, e como na marra ele se mostra mais darwinista que darwin- ou breaking the spell), Pinker (tabula rasa, ou qualquer outro pra saber de linguística) ou Jared Diamond (esse último particularmente foda). Esses sim são bem escritos, sem contar que rigorosamente explicadinhos.
Pros aversos a academia anglófona e suas caretices, aqui tem um artigo sensacional (e fácil) do antropólogo francês Dan Sperber, no qual ele avança inclusive umas idéias bem bacanas sobre a interação mente-cultura.
...
A última coisa que eu queria dizer sobre isso tudo, pra tirar da consciência (ajoelhou...) é sobre mais umas estratégias de sobrevivência que as idéias podem usar. A fidelidade com que um meme se copia é vital para sua sobrevivência. Claro, mudar rápido é bom porque dá mais margem pra novas mutações (aleatóriamente geradas) se mostrarem adaptadas a novas condições, mas se no fim das contas for essas mutações alterarem a idéia além da capacidade de alguém a reconhecer como sendo a mesma, é difícil falar em sobrevivência propriamente dita. Meio como falar que os dinossauros estão vivos, só que a gente os chama de galinhas.
É necessário então algum mecanismo de estabilização dos memes. Na ausência do texto escrito, rimas e ritmo (por exemplo) foram (e são) usadas como uma maneira não só de memorização, mas também de cristalização (de histórias, equações indianas -como Bhaskara- e tradições várias). Você pode lembrar, ou inventar, muitas maneiras diferentes de como Maomé fugiu pra Medina, mas é difícil encaixar qualquer coisa no formato das suras, por exemplo. Ou num mantra. Ou numa prece. Isso não impede que os textos se alterem com o tempo, mas com certeza retarda em muito as mudanças naturais que normalmente se dariam.
E por fim, outra estratégia vencedora seria ter embuído na idéia (talvez uma metaidéia, um esquema mais fundo de manutenção dos memes que habitem uma mente, não sei) um comando pra que seu portador sempre que possível identifique outras idéias como sendo meros derivados (ou variações) dessa idéia. Uma incapacidade de enchergar o outro, de reconhecer a alteridade. O valor de sobrevivência dessa característica seria enorme: quando deparado com uma nova idéia, o portador desse meme seria barrado de dar muita atenção a novidade, ele simplesmente a recordaria como "mera variação" do meme que já tem armazenado em sua cabeça. Isso em contrapartida evitaria a competição pelo tempo (e outros recursos) do portador da idéia com o "leão de chácara" memético.
Pense em quantas pessoas já deixaram de ouvir algo porque evitaram a conversa falando algo como "ah, mas isso é só aquilo outro X que eu já conheço". E quanto maior a capacidade de ver relações entre os memes (quanto mais uma idéia for capaz de explicar, mais outras idéias -e explicações alternativas- ela vai ser capaz de barrar) maior o alncance dessa barreira. Um amontoado de memes (memeplex) que tenha em si esse cabresto é muito mais resistente à competição, e muito mais resistente as mudanças no tempo. Eu não consigo evitar de pensar que isso seja muito comum no meio acadêmico. Versos pré-socráticos, pseudoequações lacanianas, marxismos obscuros são constantemente lembrados como se tivessem alguma coisa a ver com o mundo contemporâneo. Não que as obras estejam limitadas ao seu tempo, mas a diversidade de aplicações que encontram pra essas coisas até hoje me lembra a diversidade de verdades contemporâneas que alguns tiram de textos sagrados, como a bíblia.
Vendo esse livrinho maravilhoso já foi usado como rolo-compressor de tanta variedade mitológica\religiosa\moral\científica é difícil negar o poder destrutivo dessa estratégia de desenchergar a diferença. Em outro lugar eu já disse, mas eu gostei muito de outra vez, muito tempo atrás, quando alguém tentou sugerir que o nirvana budista era o mesmo que o paraíso cristão. O professor respondeu com um sonoro não. Em um, tu se mescla com um deus que é tudo (apesar de só ser bondade, verdade, justiça e amor -muitas contradições), e em outro o sujeito acorda pra revelação de que nada existe, que tudo não passa de uma ilusão dos sentidos pra encobrir o vazio.

alguem me pague para ser designer

garçonagens 2

-Posso pegar um guardanapo?
-Só se pedir com educação.
-Então você pode me dar um guardanapo, por favor?
-Claro.
Abre a gaveta, pega um pacote de guardanapos, abre o pacote com uma faca.
-Nossa, você vai abrir esse pacote só pra mim? é porque hoje é o meu aniversário?
-Não, é porque você pediu com educação.

é preciso criar um sistema.

quarta-feira

da necessidade da diferença 1.3

Assim como os seres vivos diferem em como são por ventura das pressões seletivas dos ambientes nos quais seus antepassados viveram, as idéias (ou memes) são submetidas a processos semelhantes.
Antes de mais nada, vamos deixar claro, no caso dos organismos e (talvez também) das idéias: a seleção natural não prevê nada. Toda a eliminação das formas menos adaptadas é feita em tempo presente, e elas só chegaram a ser assim pelo acúmulo de seleções de seus antepassados no passado. Não é a tôa que mudanças rápidas no meio eliminam os organismos, eles simplesmente estão adaptados para as condições antigas (porque seus pais, e os pais de seus pais foram selecionados para aquelas condições específicas), e a mudança em seus códigos genéticos leva tempo (reprodutivo, que pode ser lento pra organismos como nós -que temos puberdade e outras complicações- ou rápido, no caso de vírus e bactérias).
Essa inércia evolucionária pode ser vista em algumas idéias, como por exemplo a demora em incorporar ideais (culturais) que reconhecessem a mulher no mercado de trabalho, apesar das condições de trabalho e demandas econômicas (menos dependentes de força bruta), que somados ao alívio da carga doméstica (fraldas descartáveis, forno a gás, eletrodomésticos, creches, e a pílula anticoncepcional) já possibilitavam um exercício economico em condições iguais aos homens. Até hoje, mesmo nos países industrializados, as mulheres só ganham uma fração do que homens fazendo a mesma coisa. O machismo pode ser visto como uma idéia mal adaptada pras condições (econômicas) de hoje.
O porquê ele sobrevive é uma pergunta interessante, e a resposta pode ser melhor vislumbrada se outro erro comum quando se pensa em evolução for evitado: nem sempre os genes (ou memes) que sobrevivem são o melhor possível para seus hospedeiros. Eles são "egoístas" no sentido de que a única coisa que fazem é passar pra frente, se reproduzir. Se isso ajudar seu hospedeiro, bom, se não, azar. Evidentemente, se seu efeito for muito ruím, isso vai diminuir a chance de ser passado pra frente (por reprodução -no caso dos genes- ou divulgação -no caso dos memes) porque um gene que mate o organismo antes que ele se reproduza tende a sumir. Já um gene que só tenha seu efeito negativo depois disso é invisível pra selação natural, como as doenças da velhice. Não existem genes para o celibato, só memes.

terça-feira

da necessidade da diferença 1.2

De repente nós temos todo um novo jeito de pensar sobre as idéias (e sobre a cultura, que não passa de um amontoado de idéias). Não é um modelo muito novo, Darwin publicou em 1859, mas podia ter sido antes ainda. Hume quase chegou nele em 1779.
Uma idéia que queira ter uma vida longa vai precisar ser bem adaptada. Uma idéia sensacional que acabe nunca sainda da cabeça de uma pessoa não vai viver além da vida de seu portador, do mesmo jeito que um organismo perfeito que nunca se reproduza é extinto. A base pra sobrevivência é a reprodução (que nada mais é do que se copiar, com complicações nos casos sexuados). Uma idéia por mais ruím, idiota, ou chata, mas que "pegue" é garantia de duração maior. Pense naquela musiquinha xarope, mas que tem aquele refrão cretino que não sai da cabeça. Ou pior ainda, pense numa idéia que tenha em si uma instrução que faça o seu portador passar ela adiante.
Do mesmo modo que o vírus da gripe tem instruções que fazem seu portador produzir muco e espirrar (o que aumenta a possibilidade de infectar outros hospedeiros), uma idéia que tenha instruções pra seu portador contaminar o máximo possível de pessoas tem uma chance muito maior de durar no tempo. O cristianismo tem dois mil anos. Pense em quanto tempo teria durado se ao invés de pregar a palavra, os adeptos tivessem se ocupado em outras coisas?

a garçonagem me espera. depois tem mais.

da necessidade da diferença 1.1

As idéias podem ser vistas como uma série de instruções no cérebro. Minha "idéia" de andar de bicicleta consiste de uma série de articulações que eu preciso fazer em certa ordem pra conseguir me equilibrar e usar a bicicleta (sentadinho, pedalando, como todo mundo faz). Evidentemente tem que ser mais complicado do que isso, talvez em múltiplas "dimensões" (tipo muitas pastas diferentes na minha memória contendo idéias agrupadas como "andar de bicicleta", uma sobre a operação mecânica em si, outra tendo umas imagens de bicicletas, outra tendo umas informações sobre bicicletas -tipo duas rodas, guidão, etc- e outra ainda com umas lembranças que eu tenho sobre bicicletas -uns tombos, um passeio específico, etc, e muitas pastas mais).
Mas o ponto é que essas instruções não só convivem felizes e tranquilas dentro da minha cabeça, elas também viajam pelas cabeças dos outros (e pelos textos, músicas, desenhos, etc). Mas as idéias não viajam literalmente, porque no momento que eu digo algo pra você, eu não esqueço do que eu disse. Você também não ouve (e pensa) exatamente o que eu disse (na verdade eu nem preciso ter dito exatamente o que eu estava pensando) porque sempre tem um pouco de ruído, de interferência. As idéias são copiadas de uma mente pra outra sempre com pequenos erros, pequenas mutações. E como nossa memória é limitada, e nosso tempo divulgando idéias uns pros outros também é finito, só as idéias mais contagiantes vão proliferar.

da necessidade da diferença


A capacidade que as pessoas tem de ver o que quer que seja no que quer que seja acaba revelando mais sobre o próprio falante do que do que quer que ele estava querendo dizer. Se vale tudo do outro lado do texto, esse perde a importância, o consumidor impera. Se por outro lado, a obra se fecha em si, o descolamento do autor, do contexto, do interpretante não diminui em nada sua apreciação.
As alternativas hermeneuticas de interpretação são inúmeras, e pobre daquele que sempre vê o mundo com as mesmas lentes, usando o binóculo que não serve pro pequeno, ou o micrcoscópio que não vale nada pro distante. Sem contar que nenhum dos dois muda nada no que se ouve, no que se toca, no que se cheira. As informações biográficas se amiúdam frente ao contexto histórico, que empalidece frente as demandas culturais, que são vazias sem a pessoalidade do autor, e por aí vai. Coisa mais patética do que tentar explicar o mundo com o conflito de classes? ou com complexo de édipo? ou com cálculos de custo benefício? e por aí vai.
Existe uma pseudo-solução bem popular pra esse simplismo, que é ignorar as diferenças e achar (ativamente, procurar) alguma coisa que possa ser usada como gancho conceitual pro esquema favorito de enchergar as coisas. Pequenas semelhanças são aumentadas, extrapoladas. Mesmo coincidências linguísticas viram de repente pontes lógicas, provas de que "sempre estivemos falando da mesma coisa" e outras asneiras conciliadoras. Números irracionais viram uma maneira de falar sobre a razão, mente e psicose. Sobrevivência do mais forte vira racismo. Isso sem falar nas trilhões de besteiras que abundam quando alguém fala a palavra mágica "quantico".

sexta-feira

alzheimer prevenction project iii


mente em obras corpo em obras

inside london V


Nada de ser mordomo de burocratas brasilienses no além-mar, que duvido nada que eu me convenceria que sejam menos inteligentes que eu. Nada disso, eu descolei um trampo permanente na boa e velha garçonagem. O lance é que é fixo, não é tão humilhante, e é no Soho, dá pra passear em Londres propriamente dita, e ter contato com a população típica londrina, os turistas.

O pub é bem bacana, e sonho com o dia que vou enfeitiçar todos os meus chefes a me deixar beber Guinness por conta, um dia...

memórias V


Então, aproveitando a brisa da memória, uma idéia um pouco mais original: a nossa própria percepção subjetiva da passagem do tempo teria um mecanismo de redundância igual ao que eu disse sobre a compressão de redundâncias que aconteceriam na memória.
Em bom português: o tempo que a gente acha que passa mais ou menos rápido depende de quanta informação nova (ou que a gente preste atenção mesmo, o que é meio automático quando é novidade) é percebida. A mesmice seria um estímulo que o cérebro nem se dá ao trabalho de ficar recordando de novo, só dá o comando <.remeter a aquela coisa gravada outro dia.>, o que consumiria menos RAM. Isso é particularmente comum quando a gente lê um texto muitas vezes seguidas, quando é difícil reparar no que está escrito em si (como os erros de grafia que se fica procurando depois de se ter escrito). O cérebro simplesmente continua mandando o comando automático <.remeter....>, o que continua levando a mente pra memória semântica (do conteúdo, significado, das idéias), ao invés de atentar pra coisa que a gente está querendo ver (as letrinhas e vírgulas).
A percepção do tempo então nunca seria exatamente de quanto tempo passou (em segundos, horas, etc), mas sim de quantos bits\tempo de informação. Faz sentido, até porque qualquer tentativa de medir o tempo é sempre relativa a alguma coisa no tempo (como a rotação do planeta, fases da lua, aquelas coisas complicadas do átomo de césio, etc). O cérebro, se não tiver algum fenômeno rítmico o tempo todo (tipo um neurônio disparando sempre no mesmo intervalo de tempo, ou um neurônio acompanhando algum outro processo rítmico, tipo coração ou diafrágma), precisaria se escorar em algumo externo. Nada mais apropriado do que algo que acontece o tempo todo na cabeça, o próprio processamento de input.