sexta-feira

Modesta tentativa de minimizar o problema do Estado 3


"Absurdo! impossível de administrar com tanta gente mudando tudo o tempo todo! e quem são essas pessoas comuns pra falar como o doutor (ou o partido, ou o general, ou O cara) devem gastar o dinheiro deles?!" são contra-argumentos bem interessantes, eu admito. Mas são também exatamente a mesma coisa que foi dito sobre democracia no final do século xvii. E sobre incluir homens não-brancos no estado de direito. E sobre incluir mulheres no jogo democrático.
Democracia representativa é uma solução interessante para o problema técnico de como juntar a opinião de cada cidadão sobre determinado assunto público, e é uma solução muito boa para assuntos complicados como decidir o padrão da tv digital no país, ou qual modelo de avião militar comprar. Agora, decidir números é muito fácil. E não me venha com argumentos de que é necessário muito entendimento técnico das questões estruturais do país ou dos funcionamentos do governo. Olha o que como a classe política decide números no Brasil. Detalhe, o orçamento (de verdade, não só salário de vagabundo) de 2011 do governo ainda não foi votado.
A democratização dos gastos do dinheiro do IR seria também uma minimização na concentração de poder que o governo federal tem hoje no país. Desde os anos fhc a União vem acumulando a verba tributária, que passa a conta gotas aos estados e municípios, criando relações fisiológicas e politiqueiras que não tem nada a ver com o que o cidadão quer. O que o cidadão quer ver melhorado é a escola do seu bairro, é a coleta de lixo da sua rua. Nada mais justo do que o dinheiro que ele suou pra ganhar ser investido no que ele quer.
Outra vantagem de se ver o imposto por essa ótica da transparência e do respeito à democracia é renovar o debate sobre carga tributária no Brasil. Ninguém merece ouvir mais uma vez que o brasileiro trabalha 547 dias por ano só pra pagar imposto. Ou que se paga mais imposto no Brasil do que na Alemanha, Japão, EUA. Sim, e daí? Isso não significa nada.
O que significa alguma coisa é onde esse dinheiro vai parar e como ele vai ser gasto. E isso seria algo que administradores profissionais e talentosos deveriam fazer (devidamente guiados pelo interesse popular). Como ninguém vai eleger esses sujeitos angelicais, a alternativa é o interesse popular em si. Não o entendimento que partidos ou coronéis tem do que seja o "interesse popular", mas a vontade de cada indivíduo de ter a voz mais alta pelo menos no que diz respeito ao fruto de seu próprio suor.
A idéia poderia ser usada pelo menos como pesquisa de opinião. Afinal de contas, o que o brasileiro quer, em números? quem são as pessoas que se interessam o suficiente pra participar nesse tipo de política pública? Quão fascinante seria ter esses dados! Em qual polícia as pessoas botariam dinheiro? na PM, Civil ou federal? Quanto as forças armadas ganhariam? Alguém iria botar dinheiro em coisas abstratas e distantes como diplomacia ou infra-estrutura portuária? E no final das contas, são só (mais ou menos) 18% da carga tributária. Que luxo seria ter 18% de excesso de democracia, ao invéz das incontáveis somas de puro roubo e desperdício.

Modesta tentativa de minimizar o problema do Estado 2

A modesta tentativa de minimizar o problema do Estado causa reações estranhas nas pessoas. Por um lado, mostra a influência que o simples acesso popular ao funcionamento do governo pode ter nos tempos da internet; e por outro mostra o quanto ainda se tem medo de democracia. Mas me adianto, vamos por partes.

O problema de existir uma organização com poder de decisão sobre o funcionamento da vida das pessoas só existe porque essas mesmas pessoas financiam esse monstro. Em países "desenvolvidos" existe uma cobrança popular sobre o destino desse dinheiro, mas a prerrogativa continua a mesma: "vocês sujeitos bonitinhos de slogan bacana, tomem esse dinheiro e façam mais ou menos o que o jingle disse que vocês fariam".

A declaração de imposto de renda no Brasil já é mais de 95% eletrônica. Ainda existem parcelas significativas de excluídos digitais (que coincidentemente não precisam pagar IR), mas pelas próprias dinâmicas da tecnologia e do mercado isso deve diminuir rápido. Acesso a internet é mais parecido com acesso a televisão do que com acesso a saneamento básico. O barateamento da tecnologia, a miniaturização do maquinário e as possibilidades comerciais (tipo publicidade, comércio eletrônico, etc) forçam a expansão da rede, o que infelizmente não acontece com tratamento de esgoto.

O imposto de renda representa mais ou menos 18% da carga tributária no Brasil. Existem várias outras maneiras de financiar o Estado, mas o imposto de renda é uma das mais populares pelo mundo por uma série de motivos. Pois bem, imagine que cada contribuinte tivesse um mínimo de controle sobre os tostões que paga todo ano. Nada muito radical, não caberia ao cidadão propor políticas inéditas ou implementar novidades no governo, mas simplesmente apontar, com o próprio dedo, onde seus centavos seriam gastos.

A enorme complexidade da máquina pública impede que as pessoas fora do governo saibam detalhes das finanças de cada órgão (na verdade nem o presidente sabe de coisas na sala ao lado -ahem- tamanha a complicação). Mas isso é uma desculpa preguiçosa pra disfarçar a completa falta de profissionalismo na administração do governo. Todo órgão em tese tem uma administração com os números exatos de cada centavo que passa por lá (ou deveria). Do dinheiro pro cafézinho e do salário da faxineira. Subindo e agrupando orçamentos de pequenas estruturas até chegar em divisões maiores como a secretaria da escola, ou o setor geriátrico do hospital. Subindo em generalizaões até a secretaria de educação ou saúde do município, depois do estado, ate chegar ao MEC ou Ministerio da Saúde. No papel essa estrutura organizacional ficaria absurdamente intratável, mas informação estruturada hierarquicamente é algo que qualquer criança entende quando organizada no computador, mesmo nos tempos do DOS. (cd..), (dir), (quem lembra?)

A idéia é a seguinte:

Ao final da declaração do imposto de renda, de posse do valor que o governo vai acabar embolsando, o contribuinte poderia escolher onde seu dinheiro seria gasto. Pegando o seu dinheiro, dividido entre quantos "lugares" do governo o contribuinte quisesse, no nivel de especificidade que o contribuinte quisesse (e tivesse paciência para escolher). Por exemplo: Marivanda pega os R$ 1000,00 que pagou esse ano e coloca 100,00 na central de tratamento de esgoto do Itapoã, 200,00 no banco de horas extras da defensoria pública do fórum do Paranoá, 250,00 na Secretaria de Cultura do GDF e 450,00 no Ministério da Saúde.

Pense em uma interface bem simples, lúdica até. Assim que o contribuinte termina de preencher a declaração normal, aparece o número de dinheiros que o felizardo vai "doar" pra coisa (res) pública. Do lado desse dinheiro aparecem vários botões, cada um com um nome (bem genérico nesse primeiro nível) e um número. Os nomes são coisas como "Segurança", "Saúde", "Transporte", etc. O sujeito então clica em "Transporte" e aparecem outros botões ligados a esse, digamos "Rodoviário", "Aéroviário", "Hidroviário", etc. Nisso o camarada clica em "Rodoviário", daonde aparecem "Transporte Urbano", "Transporte Interestadual", "Pavimentação", etc; de "Transporte Urbano" derivam "Onibus", "Vans", "Bonde", etc; e de "Onibus" chega no extremo de poder escolher a linha que o onibus cobre.

E por aí vai, cada um sempre com um número, que o sujeito pode alterar até o limite do que estiver pagando em imposto. Se o leitor achou complicado a culpa é só da minha falta de talento explicativo, porque qualquer jogo de baralho é mais complicado que isso, inclusive o "paciência" que todo mundo que já ligou um computador conhece. E muito mais simples do que isso aqui.

O governo teria a alternativa pré-estabelecida (default) pra quem não tivesse paciência ou vontade de escolher onde seu dinheiro será alocado. E olha que interessante, mesmo sem o componente democrático da coisa, a capacidade do contribuinte normal de poder ver exatamente os gastos do governo de maneira unificada, intensificados por declarar exatamente onde o dinheiro do contribuinte individual (fator MEU bolso) seria gasto, já seria um avanço em prestação de contas em relação ao que se tem hoje. Na verdade, é o grande ideal de transparência do governo. Só faltava uma ocasião conveniente pro cidadão. Que hora melhor do que justamente quando ele ou ela está pagando pra ter um governo?

quarta-feira

Modesta tentativa de minimizar o problema do Estado 1


Leviatan e tal, necessário, externalidades economicas de toda atividade humana frente à escasses de recursos do mundo. Aparentemente vai ser sempre assim. Um indivíduo mais um minúsculo grupinho de comparsas tem muito mais poder sobre a vida das pessoas do que as próprias pessoas. Quando esse grupinho aparece na televisão de 4 em 4 anos e continua fazendo o que sempre fez, isso se chama democracia. Quando existe mais de um grupinho e eles variam quem escravisa o resto do povo de tempos em tempos, chama-se de alternância de poder, o que aparentemente faz a democracia ser uma coisa mais democrática ainda.

Quando um grupinho apela pros valores cristãos enraizados na cabeca do povo, isso ajuda bastante a disfarçar a tirania explícita do governo. O reino de deus, o paraiso na terra e a assistência social não tem só em comum a caridade com os necessitados, tem também a existência de um monstro todo poderoso que decide o bem e o mal, que separa o joio do trigo e os justos dos pecadores. Bem aventurados os que obedecem, mas não pense que voce vai mandar quando chegar no reino do senhor. Hierarquia tem a péssima tendencia de terminar sempre em uma só cabeça (fálica, diga-se de passagem).

Não me entenda mal, a possibilidade de escolher quem vai mandar nas pessoas de x em x tempos é um grande avanço sobre as alternativas tradicionais de deus ou os amigos da revolucao escolhendo quem rouba o suor do povo. Porque por mais que se escolham palvras bonitas, por mais que se apele pro espirito da irmandade universal, todo imposto é roubo. Dinheiro que vai ser gasto em algo que não foi decidido pelo infeliz que trabalhou por esse dinheiro, geralmente acompanhado de cadeia ou mais roubo em cima dos que não foram convencidos da nobreza dos saqueadores.

E se o leitor acha essa caracterização do governo e dos impostos muito burguesinha e de direita, lembre-se que os ricos so perdem um pouquinho de capital pro Estado. Já o trabalhador, por ter no aluguel do seu corpo a única maneira de gerar dinheiro, paga imposto usando tempo de trabalho, usando tempo de vida. Pra não ficar muito dramático, não pense em escravidão, pense em corvéia. Uma corvéia terceirizada, onde cada um é livre pra produzir dentro do que o Estado permitir, contanto que ele leve uma parte.

os outros 11

Ranulio era um sujeito discreto. Os últimos anos lhes foram generosos, perfeitos até, diriam mais tarde. O emprego na repartição era praticamente facultativo, não havia nada que sua chefe pudesse fazer. Em um fim de tarde a coitada aceitou tomar um chope, duas horas depois não se lembra se aceitou, mas o fato é que estava num motel com Ranulio, que não se fez de rogado e comeu-lhe o cú sem pedir autorização. Gentil, mas sem convite.
Desde então desenrolou-se aquela relação de submissão moral, onde por mais que Ranulio desdenhasse do emprego, Tercila não tinha como reclamar. Casada com o desembargador (chefe do seu chefe), não podia arriscar o escândalo. Não tinha sido uma noite qualquer, tinha dado o cú, inédito pro próprio pai de seus filhos, que incidentemente também era quem lhe empregava.
Ranulio tinha plena consciência disso, e na verdade -diriam os cínicos- já tinha tudo planejado de antemão. E de fato era a verdade. Cinco anos de cadeia ensinaram muito coisa, mas a autoridade que é conferida a quem come um cú foi de longe o que mais marcou Ranulio. O caso é que ele realmente nunca tinha tido a oportunidade ou interesse em ninguém que tomasse na bunda como algo natural. Não tinha culpa das próprias crênças, e viveu feliz sem fazer mal a mais ninguém até venerável idade.

Eu, Itararé

Uma mentira repetida mil vezes acaba se tornando chata, igual tudo que é repetido mil vezes.

john lennon on benefits: quem é quem

O primeiro objetivo da emigração pelo menos já está sendo cumprido, estou roubando emprego de inglês. Não que só ingleses trabalhem na birosca, mas convenhamos, até no BNP eles devem ter emigrantes e descendentes trabalhando na secretaria, almoxarifado, sei lá.
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A minha direita tem a única pessoa que eu verdadeiramente acredito que tenha ADD. Super gente fina e bem humorado, o camarada me pergunta se eu estou bem em média 25 vezes por dia (as vezes eu conto). Qualquer tentativa de conversa que envolva mais de 3 perguntas em um mesmo assunto é impossível. Pense em alguém rápido como um pivete de fliperama on crack, mas com a memória de curto prazo de alguém que não dorme a uma semana fumando maconha non stop. É isso. Nunca dê um emprego que envolva telefone e velocidade pra um desses.
Fato relevante: sua esposa (em casamento arranjado) chegou do Paquistão semana passada.
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A minha esquerda tem Dorothy, inglesa nascida na Nigéria. Senhora fina em seus 40 e poucos anos. Odeia o trabalho muito mais que eu, e com motivos melhores também: até a crise estourar, ela era uma figura importante em um banco grande, que com a crise remanejou o departamento dela pra Índia, onde ela seria a chefe da porra toda. Mas com família em Londres e um ligeiro nojinho de todo o terceiro mundo que não a Nigéria, ela preferiu descolar o primeiro sub-emprego que apareceu.
Fato relevante: pra quem não sabe, os nigerianos são os trambiqueiros da Africa, e apesar de ser fluente em Yoruba, Dorothy conseguiu criar filhas evangelicamente caretas que (segundo ela) vão casar virgens e tudo mais (e que não sabem falar yoruba).

john lennon on benefits 3

E toda essa introdução da assistência social britânica não serve pra muita coisa que não contextualizar o leitor às prováveis linhas que se seguirão sobre o meu atual ganha-pão.
Você veja bem, essa dinheirama que o governo gasta com os pobres ingleses inevitavelmente começa a chamar a atenção do contribuinte. Esse dinheiro não está exatamente sendo usado pra acabar com a desnutrição crônica ou financiar tratamento de água pra bairros com esgoto a céu aberto. Essa grana é usada pra vagabundo viver na zona 1 de Londres, o que até antes da crise só perdia pro centro de Tóquio como metro quadrado mais caro do mundo.

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O trampo tem um bando de gente bizarra. Na verdade chamar de bizarra é só uma tentativa de atribuir alguma característica saliente o suficiente pra emergir essa situação além do lodo da mediocridade, mas é uma tentativa que não vai muito longe. Um escritório cheio de gente medíocre, como todo escritório, eu suponho.

Em tese se trata de uma empresa que oferece cursos pra quem vive de dinheiro da assistência social. Teoricamente são cursos profissionalizantes, mas na verdade os "cursos" tem um caráter muito mais auto-ajuda do que qualquer outra coisa. Os nomes dos cursos ajudam a entender o nível da coisa. Os mais populares são "finding and getting a job", "doing an effective job search", "six weeks job search support". Os clientes das empresas são os "job centres", que são orgãos do governo que administram a mesada dos desempregados e tentam fazer os caras voltarem a trabalhar. Job centre, aliás, eh um nome tão Orwelliano que parece de sacanagem. Bom pra eles que se for pra generalizar a cultura geral da populacao inglesa, apenas um dos funcionarios do escritorio sabia o que era 1984. Não estou falando de ter lido, estou falando de saber que existe e que se trata de algo ligeiramente importante.



I be no gentleman at all