segunda-feira

sombras e esquecimentos 2

Um jogo no qual estilhaçam-se os rostos e se distribuem os pedaços
cada um dança sobre um caixão diferente,
ninguém tem um corpo inteiro
usam-se as máscaras dos mortos que já foram
e dos que continuam escondidos em porões frios e escuros
o tom é de porcelana velha
e os desenhos que antes eram rubros
hoje não passam de marcas esquecidas da velhice
no final, ganha quem conseguir colar de volta seus pedaços
e é por isso que quase todos sempre perdemos juntos

sombras e esquecimentos

do mesmo nome e destino que o último apóstolo, sempre pregando sobre o que nunca viveu.

um índio forte e alto,
tão grande que custou metade do peito de sua mãe,
que talvez tenha se perdido antes ainda,
triste por seu guerreiro ter fugido pra outras batalhas,
ou quem sabe ainda,
saído arrependido do seu próprio ventre pra lhe consolar -o resto da vida.

-uma névoa os envolve e cega-

o índio alto cospe a neblina entorpecente que cura seus hóspedes mas lhe castra a coragem,
perdido entre ser pajé ou caçador,
repouso ou aventura,
núcleo ou bandeirante.

-soldado leal à guerra que nunca será-

o gigante acolhedor que inspirava fartura tomou gosto em cear sozinho
e se esqueceu que à distância mesmo a montanha é pequena e não mete medo.
que a mesa cheia é boa quando cheia de irmãos, não pão e vinho.
a avareza a vergonha e a covardice encolheram o índio-menino que se exilou dentro de um sujeito quase-branco -cinza, acompanhado de uma tríbo pálida de filhos únicos, coisa que o índio nunca foi, mesmo que na memória.

Collapse: how societies choose to fail or survive


"Besides that specific identity as Christians, Greenlanders maintained their European identity in many other ways, including their importation of European bronze candlesticks, glass buttons, and gold rings. Over the centuries of their colony´s existence, the Greenlanders followed and adopted changing European customs in detail. One well documented set of exemples involves burial customs, as revealed by excavations of bodies of Scandinavian and Greenland churchyards. Medieval Norwegians buried infants and stillborns around a church's east gable; so did the Greenlanders. Early medieval Norwegians buried bodies in coffins, with women on the south side of the churchyards and men on the north side; later Norwegians dispensed with coffins, just wrapped bodies in clothing or a shroud, and mingled the sexes in the churchyard.Greenlanders made those same shifts with time. In continental European cemeteries throughout the Middle Ages, bodies were laid out on their backs with the head towards the west and the feet towards the east (so that the deceased could "face" east), but the position of the arms changed with time: until 1250 the arms were arranged to extend parallel to the sides, then around 1250 they were bent slightly over the pelvis, later bent further to rest over the stomach, and finally in the late Middle Ages folded tightly over the chest. Even those shifts in arm positions are observed in Greenland cemeteries.
Greenland church construction similarly followed Norwegian European models and their changes with time. Any tourist accustomed to European cathedrals, with their long nave, west-facing main entrance, chancel, and north and south transepts, will immediately recognize all those features in the stone ruins of Gardar Cathedral today. Hvalsey Church so closely resembles Eidfjord Church in Norway that we can conclude that Greenlanders must either have brought over the same architect or else copied the blueprints. Between 1200 and 1225, Norwegian builders abandoned their previous unit of linear measurement (the so-called international Roman foot) and adopted the shorter Greek foot; Greenland builders followed suit.
Imitation of European models extended to homely details like combs and clothes. Norwegian combs were single-sided, with the tines on just one side of the shaft, until around 1200, when those combs went out of fashion and were replaced by two-sided models with sets of tines projecting in opposite directions; Greenlanders followed that switch in comb styles. (That calls to mind Henry Thoreau's comment, in his book Walden, about people who slavishly adopt the latest style of fashion designers in a distant land: "The head monkey at Paris puts on a traveler's cap, and all the monkeys in America do the same.") The excellent preservation of garments wrapped around the corpses buried in the permafrost at Herjolfsnes Churchyard from the final decades of the Greenland colony's existence shows us that Greenland clothes followed smart European fashions, even though they seem far less appropriate to Greenland's cold climate than the Inuit onepiece tailored parka with fitted sleeves and attached hood. Those clothes of the last Greenland Norse included: for women, a long, low-necked gown with a narrow waist; for men, a sporty coat called a houpelande, which was a long loose outer garment held in by a belt at the waist and with loose sleeves up which the wind could whistle; jackets buttoned up the front; and tall cylindrical caps.
All these adoptions of European styles make it obvious that the Greenlanders paid very close attention to European fashions and followed them in detail. The adoptions carry the unconscious message, "We are Europeans, we are Christians, God forbid that anyone could confuse us with the Inuit." Just as Australia, when I began visiting it in the 1960s, was more British than Britain itself, Europe's most remote outpost of Greenland remained emotionally tied to Europe. That would have been innocent if the ties had expressed themselves only in two-sided combs and in the position in which the arms were folded over a corpse. But the insistence on "We are Europeans" becomes more serious when it leads to stubbornly maintaining cows in Greenland's climate, diverting manpower from the summer hay harvest to the Nordrseta hunt, refusing to adopt useful features of Inuit technology, and starving to death as a result. To us in our secular modern society, the predicament in which the Greenlanders found themselves is difficult to fathom. To them, however, concerned with their social survival as much as with their biological survival, it was out of the question to invest less in churches, to imitate or intermarry with the Inuit, and thereby to face an eternity in Hell just in order to survive another winter on Earth. The Greenlanders' clinging to their European Christian image may have been a factor in their conservatism that I mentioned above: more European than Europeans themselves, and thereby culturally hampered in making the drastic lifestyle changes that could have helped them survive." pp. 245-247

Mucho foda indeed, faça um favor pro seu cérebro e leia o livro. Aqui tem um pdf pra quem güenta na tela, mas deve ser fácil de achar em qualquer lugar, o livro é de 2005.

domingo

esculturas mentais

usam-se idéias afiadas pra arrancar lascas conceituais, usam-se frases pesadas pra quebrar os pensamentos excessivos e duros, lixa-se com retórica e estilo as confusões rugosas que sobraram.
se ainda assim os valores e a afetação impedem a apreciação da escultura, unta-se uma de suas extremidades com lubrificantes, respeito ao próximo e pequenas mentiras, para em seguida inseri-la onde for mais adequado à satisfação do interlocutor.

terça-feira

direto do moleskine vi.1.1


Os historiadores do futuro poderão tranquilamente chamar os século xx de "século do comunismo". Afinal, quase tudo foi feito em nome de, ou contra essa porra.
oh well, Wonderful theory, wrong species.

direto do moleskine vi.1

A visão das coisas despidas de relações (objetais ou libidinais, diria um psicanalista) emocionais, daquele coloridinho límbico, é exatamente o objetivo da ciência. Ou do nirvana. Zazen pra você, doutor Oppenheimer, eu me tornei Shiva, o destruidor, justamente por ignorar tudo que não as relações materiais, ignorando (não o espiritual, isso não existe -em nenhuma definição decente) as tantas relações (objetais ou libidinais, diria um psicanalista) emocionais, daquele coloridinho límbico que são exatamente a nossa motivação típica pra continuar vivo.
Não adianta tentar se redimir com um passadinho comunista, não importa o quanto isso seja louvável, você não é Vinícius, que também durou pouco fiél a causa. Mas as relações, ah, as relações. Maya pros do lado dos budas, materialismo dialético pro lado dos menos iluminados mas bem intencionados, Ayn Rand pra direita que nunca houve.
Aliás, essa mulher foi durante o mês que eu li a porra do Atlas Shrugged (um livro gigante e bem ruim) um objeto de fascinação. A direita capitalista true, atéia e egoísta até as últimas consequências (quase últimas, claro, a sexualidade não entra inteira, pelo menos não com os gang-bangs que o livro merecia) nunca teve nenhum defensor digno de nota no campo das artes. E autoras literárias raramente gozaram de tanta influência -política, econômica, filosófica, caralho, a mulher tinha quase um culto!- no mundo, quanto mais nos EUA. Bizonhamente essa mulher foi ambos, mas quando se estuda gênero, nunca se lê sobre ela. Imagino, apenas imagino, que isso seja devido a relação histórica quase umbilical entre a esquerda e os estudos de minorias (politicas).
Isso é uma pena. Ayn Rand, apesar de ser uma escritora medíocre, é bem original em suas idéias: é um interessante exercício moral descobrir o porque dela estar errada, daqueles cheios de pegadinhas, a mulher era bitolada na lógica de Aristóteles, o que a faz uma boa adversária. Pelo menos é melhor do que um Hegel mal entendido, há que se admitir, hehe, pobre Marx, enterrado em um mar de propaganda.

direto do moleskine vi


Tem uns dias que a matrix simplesmente dá algum pau e não inicializa direito. Fica transparente todo o efeito que a rotina e as "obrigações" tem na nossa vida: tomar o nosso tempo.
A falta de propósito e a sensação de ilusão que a depressão causa nada mais é do que o olhar para as coisas em si, despidas das relações que a gente inventa pra elas.
Isso nos faz sentir mal porque a (única?) fonte de maior prazer que existe pro macaco pelado é as relações com outros macacos pelados (ou algo imaginado como sendo).
-a maior sacada do sistema não é inventar impostos, empregos ou polícia, mas sim botar mulher, filhos e amigos nas costas do Neo.

sexta-feira

a dose faz o veneno


Amanhã é a parada gay de Londres. Não vou poder ir, porque vou estar fudidamente trabalhando no turno kamikaze de 12 às 12 dia de sábado em Carnaby Street com Wimbledon rolando (caralho, nego gosta de tênis nesse país -ridículo com direito a bater palma pro replay na tv). Enfim, escrevo isso aqui rapidamente só pra garantir a todos meus (2) leitores que eu pensei primeiro (caso role at all) em uma performance artística que seria perfeita pra parada gay: a boneca muçulmana.
Tem muito muçulmano aqui em Londres (em especial no norte, onde eu vivo) e rola muita burqa na rua. Como a Inglaterra ainda é Europa, de vez em quando nego flerta com essas idéias nazi de proibir símbolos religiosos que não os deles, como o famoso camisolão tapa-tudo do islã. A idéia da performance seria sair de traveco na rua, só que um traveco maometano -usando a tal da burqa. De preferência uma daquelas toda preta só com o buraco pros olhos (porque tem altas variedades, com rosto de fora, com panos coloridos -que é até bonita, há que se admitir).
A proposta se enquadra na multiplicação de significações que rompe com as dicotomias, que ofusca os simplismos. Homem-mulher, cristão-muçulmano, laico-religioso, vestimenta-fantasia, escolha-imposição, cultura-piada, e a trivialidade da vestimenta cotidiana-limites do controle estatal, -tudo se aplica, mas é impossível reduzir a somente uma delas. Em tempos que parecem apontar certas mudanças no primeiro mundo, é bom lembrar que são os mercados e governos que precisam de regulação, não o que as pessoas decidem vestir.