segunda-feira

o desencanto do mundo v


Beleza, nego é esnobe, qual a novidade disso? A novidade, na verdade o segredo, é que do outro lado das cortinas você entende o que é o desencanto, você vê a cara do pilantra de óz. Acontece um salto ontológico, um rasgo no horizonte de eventos e uma rachadura no cristal de toda a pompa e circunstância quando você entra na cozinha desses jantares. Quando você vê o suor do cozinheiro gordo pingando nos pratos perfeitamente decorados com os dedos nus que acabaram de ser usados pra coçar a bunda peluda e sebosa desse mesmo gordo. Quando você vê garçons (como eu) espirrando nas quiches, o mofo nas paredes, e repara que os cheiros dominantes na cozinha são os mesmos do ônibus lotado no meio-dia de qualquer metrópole tropical, isso é a desilusão. Cada prato entregue tem o valor dos presentes que o homem-de-lata e o leão ganham do malandro de óz. Quem sabe o diploma seja os miolos do espantalho.
Adultecer na nossa cultura envolve perder um pouco dessa visão mágica das coisas, tem a ver com um entendimento prático de como a vida funciona, como ela é movidas a trabalho de pessoas, e quão mais difícil do que parece tudo isso é. O jantar não brotou aqui, ele teve que ser (mal) feito pelos excluídos dessa festinha, pelos excluídos dessa educação. E adivinha o capricho que acaba saindo dessas pessoas sem o menor incentivo (em todos os sentidos) pra fazer mais do que o já tosco paladar inglês consiga engolir?
Felizes para sempre é uma ofensa a qualquer um que consegue manter um relacionamento por mais do que alguns meses e o esforço que isso consome. Tapa na televisão é o equivalente secularizado a fazer o sinal da cruz pra que a imagem melhore, a cada um desses um técnico chora sozinho no banho. Achar que a geladeira vai encher sozinha é tão místico quanto achar que o supermercado vai se encher de produtos sozinho, e entender a diferença entre os dois é o desencanto, não da vida moderna, mas sim da vida adulta.

o desencanto do mundo iv

Mas é claro que meus mecanismos de racionalização já lidaram com coisa muito pior. Sou um especialista em achar defeito em qualquer coisa e não-coisa, articulável ou não. Formatura de médicos? Tem dó, essa é fácil. A gente na psicologia é praticamente obrigado a odiar médico, esse bicho obtuso que não tem a menor consideração pela relação clínica, que vê as pessoas só como amontoados de sintomas, que acha que remédio resolve tudo, e ainda por cima tem a letra feia. aff.
Discurso encorajador pros aluninhos? Que porra de professor é esse que não está reclamando da política de sucateamento do ensino, das ameaças ao sistema público de saúde inglês (que é o único público na europa, sem práticas nazistas de cobrar pra atender imigrantes e turistas), do descaso da prática médica com a relação clínica (de novo)?
O maior desencanto não foi nada disso. Uma coisa um pouco menos específica, mais óbvia, mas difícil de explicar. No Brasil, específicamente em Brasília, onde a única forma de estudar depois do ensino médio de graça é na UnB, existe uma tensão entre o orgulho de conseguir entrar e a vergonha de fazer parte da pior forma de elitismo parasita, afinal, o grosso dos estudantes poderia financiar a faculdade, mas ao invés disso é o dinheiro do povo que o faz. O mito de que "qualquer um" pode entrar tem que ser mantido, ser de elite no Brasil é vergonhoso.
Na terra da rainha não é assim. Muito pelo contrário, historicamente as universidades são um dos maiores símbolos de diferenciação social pesada (estamos falando de nobreza hereditária e aristocracia aqui) que sempre foi algo amplamente admirado e desejado. E eu pessoalmente detesto isso. É a maior inversão possível pra uma instituição que deveria ser em função do saber ser transformada em instrumento de estratificação econômica, usando o conhecimento (que pode ser multiplicado a custo zero pro benefício de todos) e sua produção não para emancipar, mas sim manter (cristalizar, aprofundar, objetivar) uma idéia de diferença de valor entre as pessoas.

o desencanto do mundo iii

Sábado passado eu trabalhei em um jantar de formatura (ou pré formatura, sei lá) da turma de graduação de medicina da Imperial College aqui em Londres. Trezentas pessoas com espumante liberado na entrada, depois three course meal (entrada, prato principal e sobremesa), e depois putaria generalizada com discotecagem e todas as firulas que tem direito. Dessa vez eu só trabalhei até as onze da noite, porque ficar até o final significa ir embora só as oito da manhã. Eu, que fiz nove horas nesse dia, não queria bater nenhum recorde pessoal (porque do povo do hotel o recordista é um argentino, que não fala nem um good morning de inglês, mas que ficou um máximo de 19h de uma só vez), só vi até o começo da gandáia.
Turma de medicina, palco com telão praquelas coisas de formatura, do tipo fotos bregas e outras nem tanto (tiveram coisas bem filme americano, tipo fotos de uns idiotas pagando bunda le-le, nego bêbado, umas minas se beijando, etc) e uma montage musical com pessoas da faculdade cantando e dançando animadamente um hit dos anos noventa. Depois teve um discurso encorajador de um professor, e uns alunos falaram também do valor de continuar mantendo contato, de como eles eram idiotas no começo do curso, e piadas de médico que eu não consegui entender.
Pra mim é uma merda ver essas coisas acadêmicas dessa perspectiva, e me deu a princípio uma coisa ruim de não ter feito faculdade em tão grande estilo. Caralho, aquele professor discursando, contando uma anedota de sua vida na qual um dos personagens era Nelson Mandela, se dirigindo aos alunos pelos nomes, com uma pusta cara de quem realmente corre atrás de talentos jovens e promissores. E os alunos, porra, nego tá formando em medicina, notoriamente difícil de entrar, e é foda sacanear médico, os caras são maior do bem.
Pra coroar tudo isso, eu nem fui na minha própria formatura (nunca- nem na graduação, nem no segundo gráu, nem na oitava série, nada), e da minha colação de grau uma das poucas lembranças é eu passando reto pela mão estendida da diretora do departamento de psicologia. Esse era o quanto eu gostava do clima institucional da unb.

o desencanto do mundo ii

Quando a tsunami racionalista desfere um de seus mais gloriosos golpes no resto do mundo -a primeira guerra mundial- e fica evidente que quem não entrar no jogo da indústria, comércio e militarismo vai estar de fora do século XX, Weber entre tantas grandes mentes da época começam a reclamar das consequências do processo que possibilitou sua própria existência.
A burocracia que assola as democracias modernas, desossadas daquele brilho carismático do lider (furher em alemão), que tanto fez falta pra esses românticos do fim do século XIX, está se apagando. A religião perde cada vez mais espaço pra tecnologia. Cada vez mais a elite tem que fazer algum esforço pra continuar sendo elite, e de preferência armado, porque esses pobres também estão cada vez mais de saco cheio. Cada vez mais acabam os cantos selvagens do mundo, em todos os lugares tem algum homem branco catalogando, dissecando e botando pra trabalhar qualquer coisa que sirva os seus (limitados) objetivos de riqueza, progresso e poder.
Quem poderá nos ajudar? Essa situação absurda não pode continuar assim, estão acabando com a graça do nosso mundinho, disseram alguns ilustres homens brancos (e outros não brancos e não homens, mas esses tavam reclamando de levar chumbo mesmo). Não temam mais, figuras intelectuais já mortas a muitas décadas, eu tenho a solução para o seu problema!

o desencanto do mundo

Max Weber morou com seus pais até completar trinta anos. Não é a tôa que quando ele fala de desencanto, não tem nada a ver com o que se pensa normalmente quando se usa essa palavra, de perder a ilusão, de perder o brilho, glória, pompa, etc. O significado comum vem muito fácil com o cotidiano de afazeres domésticos. Ainda mais quando eletrodomésticos não estão disponíveis. Desencanto é lavar banheiro. Desencanto é queimar panela. Desencanto é limpar fronha depois de uma bela trepada. Desencanto mesmo é fazer isso pros outros, ganhando uma miséria.
Desencanto, dotôr véber, é trabalhar na faxina.

sábado

memórias IV


Um último adendo: grande parte das minhas lembranças só se agrupam não porque tem características comuns, mas porque se opõem a outras que não as tem. Não é o fato de que eu fazia café na minha casa que me lembra dessa época, é o fato de que a Constança nunca fazia (como quando eu morava com ela) e o fato de que o Zé Eduardo nunca fazia (o que invariavelmente acontecia quando a gente morava junto). Eu posso até ter feito café na casa da minha mãe ou no Cruzeiro, mas a falta dos outros nesse outro cenário é o que o define mais forte como uma época.
Sabe deus lá que implicações isso teve (se é que teve) na minha personalidade, na minha vida, mas vivendo um exemplo extremo agora (com consequências visíveis), eu não duvido de mais nada.
Ficam então dois esboços de mecanismos em funcionamento da memória episódica, a compressão de dados pela redundância (que talvez acabe emborcando em memória semântica mesmo) e o agrupamento mnemônico tal qual nos grupos sociais (que se dão por exclusões do que é percebido como diferente). Nem de longe isso é tudo, evidentemente.

memórias III

Se os outros são tão importantes assim até pra manter o que se lembra (mesmo do que não tinha ninguém junto de mim -quando eu tomava café?), e o que se lembra é basicamente o que eu me entendo por mim mesmo, e o outro grande pedaço do que eu sou é fruto das expectativas dos outros, caralho, a única coisa que realmente depende só de mim sozinho no mundo é o meu corpo.
Porque não é mais uma questão somente de corresponder ao que os outros esperam de você, o que obviamente muda quando os outros ficam pra trás, mas mesmo aquela parcela inatingível, o núcleo do que é meu e de mais ninguém, minhas queridas lembranças (provavelmente) guardadas no meu hipocampo. Se até essa parcela é sujeita ao quanto eu passo o tempo com um ou com outro (o que vai fazer durar mais -na média- minhas lembranças relativas a um e não ao outro), as companias realmente dizem sobre a pessoa. Um dos grandes componentes da nossa capacidade de determinarmos o que nós nos tornamos é então mero fruto da possibilidade de escolher com quem passamos o nosso tempo.

memórias II (Proust style)


Outro dia estava servindo café em um hotel, repetindo o mesmo movimento de pegar a chícara, botar embaixo do bule, apertar o botão, encher a xícara e entregar pralgum inglês qualquer; quando me veio a memória perfeita de como era fazer café na minha quitinete em Brasília: pegar a chaleira (que estava no fogão) encher de água, botar no fogão, riscar o fósforo, acender a boca maior, esvaziar a garrafa térmica, colocar a forma com o filtro (de nailon), dessatarrachar a tampa do pote de café, servir duas colheres grandes no filtro, pegar a água e passar pelo filtro, usando a água fervendo que sobrou pra limpar a pia.
Foi um flash mnemônico muito atípico porque foi a lembrança mecânica do processo, lembrei da sensação muscular de fazer tudo isso, com um pouco das imagens do processo junto (em primeira pessoa), tipo a cor alaranjada da minha garrafa térmica, o branco da chaleira, as manchas na minha pia, o filtro de nailon quase rasgando, a tensão da tampa do pote de café, do pote de açúcar.
Quando saí desse transe as coisas voltaram a ficar embassadas. Não conseguia mais ter certeza de quais eram as situações mais comuns nas quais eu fazia café. Era quando eu recebia alguém em casa? Era quando eu chegava do trabalho e comprava uns pães-de-queijo? Era de noite pra continuar estudando, ou jogando videogame?
Talvez um dos mecanismos de prevenção dessa generalização das memórias sejam os outros. Não me lembro de ter passado por uma pasteurização das minhas lembranças tão rapidamente antes, provavelmente porque quando se tem as pessoas que fizeram parte desses tempos, não só se fala (e lembra) mais dos eventos específicos, como o mero contato com eles ativam essas memórias, amortecendo nossa queda no vazio do esquecimento.

memórias

Minhas memórias do meu passado recente já estão ficando confusas. Uma neblina começa a tomar conta dos detalhes dos meus últimos meses em Brasília. Fica cada vez menos claro como eram as coisas exatamente, se foram tempos frios ou insuportavelmente quentes e secos; se eu tive que estudar muito ou levei na picaretagem o resto da unb; se eu passava muito tempo sozinho ou sempre estava com algum amigo.
A memória tende a desconsiderar redundâncias, porque elas podem ser armazenadas mais facilmente como simples cópias de um padrão original, o que economiza espaço. Quando você vê um video no seu computador que entre as cenas não tem nada acontecendo em um pedaço da tela, repare o quanto esse pedaço isolado não tem atividade nenhuma: ele simplesmente repete a cor (ou simplesmente não gera cor nenhuma, dando a impressão de preto) original, sem ter que ficar processando tudo quadro a quadro.
Eu tenho a impressão que a memória episódica usa um processo semelhante. O cérebro tem um espaço físico limitado, e logicamente tem que ter uma limitação na quantidade de informação que pode armazenar. Sem contar que qualquer sistema informacional precisa de um equilíbrio entre a capacidade de processamento em tempo real (memória de trabalho -antigamente chamada memória de curto-prazo no caso das pessoas, RAM no caso dos PCs, mais ou menos) e a memória de longo prazo, o que fica armazenado (provavelmente) pra sempre.
Na primeira história de Sherlock Holmes, Watson fica abismado quando descobre que o detetive não sabia que a Terra girava em torno do Sol. Na sequência, Sherlock explica com uma metáfora sobre a memória, dizendo que ela é como um sótão no qual nós vamos acumulando coisas. As pessoas simplesmente jogam tudo lá sem o menor critério. Já o detetive preferia ter poucas (e úteis) coisas guardadas, o que facilitava o trabalho de deixar organizado pra quando precisasse achar alguma coisa realmente importante.

sexta-feira

sempre róla

-acorda corno, acorda corno!
-que? porra mãe que foi?
-é o dia de fazer feira você tem que ver sua amiga no alto da praça!
-eu sei que não é isso que você quer mãe você sempre odiou essa amiga ela que não consegue parar pra odiar as mesmas coisas de uma só vez sempre mudando de idéia ruim pra sem idéia nenhuma!
-você tem razão eu na verdade te acordei pra te dizer que o apocalipse irá chegar daqui a mil anos e que você é quem vai cria-lo por querer alguém a ponto de rasgar o tempo com quem não lhe gosta de volta você que nunca precisou de ninguém!
-que estranho porque você sempre falou coisa com coisa mas hoje está como se não soubesse que eu sou o demônio encapsulado na sua carne feito esperma pra me esconder do deus ruim!
-essa eu não sabia mas isso não me impede de me fingir de esperta e me gabar que nunca precisei ser mais do que sou pra falar que quero ser mais ainda com uma pós-graduação por exemplo!
-então tá me acorda daqui a quinze minutos!

quarta-feira

direto do moleskine ii

o dinheiro é o sangue da sociedade
as pessoas o bombeiam
o trabalho o oxigena
sem ele nada circula direito

terça-feira

garçonagens, a crise

Então, nada de trampo fixo. Durante minha quase-uma-semana de manager na pizzaria, os caras sempre falaram que a chefia (da franquia) iria abrir outro restaurante na área, que tavam expandindo e tal. Mas a cruel realidade foi justamente o oposto, fecharam a porra do lugar, e eu perdi meu canto ao sol. A princípio eu não entendi direito, a Amanda até pensou que tinha sido uma conspiração contra minha pessoa. Mas não, fui lá conferir que porra tinha acontecido, e numa cena totalmente tragicômica, meu chefe estava preenchendo diversos bilhetes de loteria. Todo mundo foi limado mesmo, e o coitado ainda tem dois filhos pra sustentar. oh well, de volta à procura.
Aproveitando essa gloriosa situação, agora eu rodo pelos arredores distribuindo curriculos, e acabo conhecendo um pouco mais da cidade. Minhas impressões tem variado entre surpresa com as pequenas coisas legais e completo desespero, porque as paradas aqui estão fechando as portas mesmo. E as pessoas sabem disso, todo lugar que eu entrego CVs, explico a história da pizzaria (tem que rolar um charme, um KO) nego sempre responde com algo tipo você também? Aparentemente é generalizado o fenômeno. Uma merda, mas enfim, pelo menos não é nada contra minha pessoa. Ainda.

o melhor do google news 3.1


Sarney, mais um da estirpe dos grandiosos políticos que não dizem nada com nada, e quando dizem ninguém nem acredita mesmo.
Como é o caso de outro zumbi político, fhc, que outro dia teve a pachorra de dizer que é a favor da legalização da maconha. Depois de oito anos no governo, de revolucionar o governo em diversos níveis, de peitar meio mundo (mas o meio certo...), agora o cara abriu a cabeça. claro...
Mas o Sarney bate qualquer um. O cara é o parlamentar mais antigo no congresso, presidente do senado, é o dono do Maranhão desde os anos cinquenta (o estado com o segundo pior IDH do país), foi o ex-presidente que deu o calote internacional (deixando claro que isso não funciona), é dono de três retransmissoras de televisão (afiliadas evidentemente à rede grobo), seis emissoras de rádio e o jornal O Estado do Maranhão. Quanto aos seus livros, eu nunca li, então não vou falar nada da sua gloriosa posição de imortal, mas quem é que dá valor pra isso?
O fato é que Sarney é um dos principais atores da realidade brasileira desde meio século, tendo a habilidade pós-ideológica de sempre estar no governo (radical de centro-PMDB). Mesmo hoje ele mostra exatamente o tipo de responsabilidade que esses caras admitem pelos seus feitos, repetindo que "eu não tenho nada a ver com isso, mas se tivesse, então mais um monte de gente teria, então é melhor não falar sobre isso", em tom de piada ou ameaça.

o melhor do google news 3

Sarney se recusa a falar sobre questões administrativas do Senado

Publicada em 17/03/2009 às 15h52m nO Globo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse nesta terça-feira que não vai responder mais a questões referentes à administração da Casa. Segundo Sarney, o assunto deve ser tratado pelo diretor-geral do Senado. Desde que assumiu a presidência, Sarney já enfrentou uma série de escândalos como o caso do ex-diretor-geral Agaciel Maia, afastado após denúncias sobre sua evolução patrimonial, e o do pagamento de R$ 6, 2 milhões em horas extras durante o recesso parlamentar, quando não houve sessões.

- Assuntos administrativos não são comigo. São com o diretor-geral da Casa. Vocês procurem o diretor-geral, que é quem trata da parte administrativa - disse ele.

" Vocês procurem o diretor-geral, que é quem trata da parte administrativa "

Nesta semana, mais duas questões geraram polêmica: a denúncia de que estão sendo utilizadas prestadoras de serviço terceirizadas para empregar familiares de funcionários da Casa e o repasse de passagens aéreas dos senadores.

Na segunda- feira, o 1º secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que por enquanto, os três diretores que conseguiram burlar a lei contra o nepotismo imposta à instituição pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não serão punidos porque podem não ser os únicos.

Sobre o uso da cota de passagens áreas pela líder do governo na Casa, Roseana Sarney (PMDB-MA), para parentes e amigos, Heráclito disse que não há ilegalidade na prática. O congressista pode fazer o que quiser com os bilhetes, só não pode vendê-los, sendo a utilização de responsabilidade dos próprios senadores. Perguntado sobre porque a Casa não divulga logo como os senadores usam as passagens, assim como fará com as notas fiscais da verba indenizatória, ele afirmou, com ironia:

- Aí não escapa nem jornalista, vai ser um constrangimento geral - e completou, em tom de brincadeira: - Assim é melhor fechar o Senado.

quarta-feira

garçonagens


Cheguei no meu auge na carreira dos subempregos da garçonagem. Descolei um trampo de gerente numa pizzaria pertinho aqui de casa. A grana é fixa, e isso é um puta alívio. Agora vai dar pra procurar alguma coisa de gente grande com calma. E o rango é bom, chega de comida inglesa, puta merda.

a roda da fortuna (yin yang das vadias)

Mas como tudo no bicho homem, a mente cria um espaço vazio de ilusão sobre a realidade que teima em fingir que é o contrário. A vontade, o esforço e o trabalho dão então margem pra ser vistos em duas esferas diferentes, pelo lado de dentro e de fora.
Um exemplo pra facilitar: a diferença entre duas meninas. Uma sempre calma e fria mesmo frente as piores situações, finge que nem é com ela. A outra, ao contrário, se abala, sofre, pede ajuda e corre atrás. Existe uma relação oposta no charme das duas, que a intimidade mostra não nelas, mas no mundo que habitam. A segunda parece insegura e dependente, não se basta em si, não tem o charme da primeira.
Mas esse charme se gasta como perfume, e de perto a primeira revela aos poucos o quanto custa nunca se abalar, se espremendo em meio ao que ela nunca controla, se fechando em sua mente, mistério que quando clareado mostra só a capacidade de se resignar, impotente no retrato quintessencial da mulher objeto, que só tem o valor que os outros projetam nela. Chora sozinha o que não consegue mostrar acompanhada, a solidão de si, a falta de ser o que poderia ser.
A outra se revela muito rápido, ativa e rasa, joga um jogo mais bruto. Fazendo força pelo que quer, mesmo que só queira por um segundo, em uma opulência de movimento. Se abala, não se basta em si, tem que ter o mundo como quer, e não raro consegue. Consegue porque segue reto, tropeçando nos atalhos da mente, sem perceber o quanto é difícil e o quanto é bonito o que faz. Sofre por fora, mas sofre colidindo com o mundo, e não se comprimindo nele.

a roda da fortuna

Nunca tive opinião formada sobre o destino. Não que tudo já esteja previsto, esquematizado e sincronizado, mas talvez fora do controle. Acho difícil que alguém consiga entender tudo em tempo real, e mais difícil ainda prever alguma coisa, mas isso pode ser só um problema nosso, e não do esquema. E não acredito que tenha alguém por detrás dos panos. Mas honestamente eu vejo que essa indiferença é um derivado preguiçoso do já preguiçoso fatalismo latino que corre em minhas veias.
Sou cético em relação à autodeterminação das pessoas. Acredito nas coisas fora do nosso alcance, acredito nas micro importâncias que acabam com os grandes projetos, nas miopias dos gigantes, no moralismo dos gênios, nos joanetes da princesa.
Isso não me impede de saber (mais do que acreditar) que o trabalho é que move o mundo, que a força e a vontade são o que separam os zumbis-em-ponto-morto do resto. Em uma faixa de gradações enorme, existem dois extremos igualmente patéticos de desenxergar a realidade, o tolo que acha que as coisas acontecem sozinhas, e o idiota que diz que está no controle de tudo. Sinto um enorme desrespeito pelo falante quando ouço esse tipo de discurso, tanta pena que me aflora um paternalismo, uma vontade de ensinar. Se Newton se apoiou no ombro de gigantes, eu me agacho com os anões.
A metáfora suprema vem do mar. O marinheiro sabe que existem diversas maneiras do mar afundar quem quer que seja, não importa quão foda seja o barco ou o capitão. Mas sabe também que tem uns que duram mais tempo do que outros na água, alguns sobrevivem a muitas tempestades, e outros simplesmente sucumbem, fraquejam.

o velho novo (ou signo morto)

O grande esforço de hoje é tentar encontrar o que se veio longe pra ver de perto o que sempre esteve por dentro. Tentar ver se é isso coisa bonita ou signo morto do que nunca quis dizer nada menos importante que dormir quentinho no de sempre. Me esforçar pra entender de novo o que eu pensava (pelas distâncias) ser só mais um pedaço de mim, vendo que não é bem assim. Aprender a ouvir a lingua que ninguém aqui fala, sobre coisas que já morreram tem tempo, menos pra quem veio procurar. E ver que veio sozinho, ver que veio repartido, pedaços muito bem acompanhados. Talvez todo esse lodo aterrado, esse pântano romano, essa piada cristã, essa furnaça que já moveu o mundo, ainda signifique alguma coisa além das expectatívas de quem nunca pisou aqui. Cavando fundo, por enquanto só detrito, por enquanto só fumaça. O ritmo também não é lá essas coisas.

quinta-feira

os melhores livros jamais escritos! 2

A ética brasileira e o espírito do ateísmo: por uma pragmática da descrença.
No qual o autor, ignorando décadas de estudos antropológicos (por pura preguiça) mostra que a malandragem e o jeitinho brasileiros são uma extensão do ceticismo do povo em relação à crença de que serão julgados por alguém que pode ver tudo a todo momento. No conhecimento de que as punições (e as recompensas) só são administradas se alguém tá lá pra ver, e que se não tiver, vale tudo. Não se encontra aqui aquela ética protestante do trabalho, ou mesmo uma expectatíva de constância de caráter: a fluidez das esferas sociais seriam então mera extensão do carnaval que é a vida sem ninguém te vigiando. Tudo isso ilustrado pelo comportamento dos jogadores de futebol quando os árbitros não estão olhando. Um clássico das ciências desacreditadas.

os melhores livros jamais escritos!

Morra aos vinte e sete.
No qual o autor mostra como o fim prematuro dos grandes do rock and roll pode ser visto como a maior devoção à arte já vistos fora os ataques kamikazes. A overdose como o harakiri pós-moderno.

segunda-feira

Der Wille zur Macht II

Saber se justificar pra si mesmo é uma arte perdida. A arqueologia da auto-justificação. Como nunca achei um manual honesto desse campo esquecido do meta-saber humano, reuni algumas reflexões pra enriquecer o debate comigo mesmo, ainda sem sucesso no meu motivo pra isso (atestando minha falta de habilidade na empreitada):

0. Teorias de porque as pessoas são do jeito que são são um bom começo. Estudando essas propostas, o arqueólogo inevitavelmente se depara com as contradições entre as escolas do ser humano. Existem duas alternativas populares nesse ponto: escolher uma delas (o que por sua vez exige um complicado exercício de auto-justificativa, igual ao paradoxo filosófico do conjunto que se contém a si mesmo, o famoso barbeiro de Russell, que só barbeava os homens que não faziam a própria barba; o paradoxo aparece quando se faz a pergunta de quem barbeia o barbeiro? se ele se barbear, não pode se barbear, mas se não se barbear, está apto a se barbear...) ou tentar fazer uma mistureba pseudo-coerente com algumas teorias menos contraditórias. Exemplos populares de teorias das pessoas são as religiosas (tipo o cristianismo e seu sujeito nascido do pecado, que tem livre-arbítrio, vai pro inferno, céu, tem carne fraca, etc), o marxismo (com seu sujeito feito à imagem e semelhança da sua classe social, moldado pelas condições históricas, etc), a psicanálise (com o complexo de édipo, determinismo afetivo pelas relações na infância, etc), o capitalismo (sujeito racional de Adam Smith, evita risco e quer dinheiro, etc), biologia (todos somos só uns bichos que querem trepar), e por aí vai.

1. Existe um estado médio de saber de si e do mundo que dá a impressão de auto-justificativa de si, mas ele é rapidamente revelado como ilusório assim que se aprende mais sobre a arte (da auto-justificativa).

2. Uma memória cruél dos eventos e opiniões passadas é vital para se evoluir na arte, porque tenho a forte impressão de que o passado exerce algum tipo de influência no presente.

3. A crueldade em aplicar sobre si os critérios de explicação que se aplica aos outros (pessoas, animais e coisas) é muito proveitoso. Julgamentos de caráter dos outros só têm graça se o juiz consegue passar pelos mesmos critérios. Esse eu apelido carinhosamente de "falácia da primeira pedra". Uma interpretação menos covarde do famoso bordão cristão poderia fazer do mundo um lugar muito melhor: não seja um bundão que perdôa tudo porque também pecou, mas sim julgue os outros à vontade, porque você não teme julgamento. De preferência com critérios mais originais do que o velho testamento, e com punições menos bárbaras do que apedrejamento.

4. Qualquer tentativa de justificar os próprios motivos é válida, desde que articulável. Nada pior do que zumbis, no ponto-morto da vida, que não sabem porque são do jeito que são. Ao conseguir expressar (o que acha ser) seus motivos o sujeito se abre ao outro, se bota na roda, cria a possibilidade de diálogo, mudança (de si ou do outro) e de alteridade. Como posso saber que você é diferente de mim se não sei nem como eu sou?

os outros

Roberto não sabe direito como ele é. Roberto só sabe que custumava ser melhor do que é hoje. Tudo era melhor antes. Os dias eram mais bonitos, as pessoas mais amigáveis. Ele mesmo costumava ser mais esperto, charmoso e bebia mais (a cerveja era mais barata). Tempo ou espaço não importavam pro Roberto, quanto mais longe pra trás melhor. A faculdade tinha sido melhor que hoje, a adolescência também, a infância então nem se fala. A outra casa, a outra cidade o outro emprego.
De vez em quando Roberto pensa que isso não pode ser assim, que hoje deve ser bom também. Depois de pensar muito ele não consegue fazer o hoje parecer melhor que o ontem, e as coisas ao seu redor sempre são piores que as que ele deixou longe. Roberto então repete um velho remédio pra sua melancolia. Liga pra alguém com quem não tem mais contato e faz perguntas diretas e cruéis. Escuta, das próprias pessoas que sente falta, os motivos de porque eles não são mais parte de sua vida. Lembra de toda feiura, solidão e banalidade. Das diferenças e da indiferença.
Roberto então se cura, não porque melhorou sua vida hoje, mas porque piorou sua vida até hoje. A felicidade pra ele vem de queimar as pontes atrás de si, sabendo que teve motivos, que não se arrepende de nada. Ou que pelo menos não se arrepende de tudo.