sexta-feira

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Eu humildemente fui lá desperdiçar o meu voto. Não elegi ninguém, mas pelo menos eu me livro da estranha burrice que assola as pessoas que falham em ver que escolher entre os que estão aí ou se abster é só o que se pode fazer.

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Aqui não tem horário eleitoral gratuito. Aqui não tem lei seca antes da eleição. Aqui não tem proibição de boca de urna no dia da eleição. Aqui não tem carro de som. Ninguém distribue aquelas camisas de candidatos que sempre viram pano de chão. Os panfletos são mínimos, em geral entregues em casa e não na rua.
O texto dos panfletos é o que mais chama atenção. Lembra aquele clichê que a gente sempre ouve no brasil, "nenhum voto é desperdiçado", "não desperdice seu voto, ele sempre conta", etc? Então, aqui é ao contrário, os candidatos falam explicitamente "candidato tal não tem chance nesse bairro, não desperdice seu voto nele". Como não existem as complicações de proporção de votos por partido, coalizão e os cálculos (que ninguém conhece direito) pra obtenção de verbas públicas, realmente todo o voto que não no vencedor é literalmente desperdiçado.
Esse ano a eleição foi uma coqueluche para os padrões ingleses: pela primeira vez na história inglesa os líderes dos três maiores partidos participaram de debates televisivos. Tudo bem que eles já sabiam quais as perguntas perguntadas, e que a platéia não podia se manifestar (com palmas, gritos, etc), mas enfim, foi uma sensação pro país que tem inúmeros "reality shows" ver os candidatos submetidos ao mesmo formato.
Assistindo os debates é fácil ver a estranha paisagem da política inglesa: candidatos que não sorriem muito, não começam dando "boa noite", não tem nenhum carisma com o indivíduo os assistindo. Essa falta de retórica e apelo de massa explica o fenômeno Tony Blair, e eu me assusto com a ingenuidade da classe política para com a possibilidade de ser tomada por um movimento populista que saiba explorar esses vazios, mas enfim, o sistema impede muita inovação mesmo -boa ou ruim.
O concenso entre as políticas partidárias são (como em qualquer país ocidental hoje) são muito maiores que as diferenças, mas um concenso que diz muito sobre a política inglesa (e o eleitor não londrino) é visto logo na primeira pergunta do primeiro debate (4:30 minutos do video) é a necessidade de controlar a imigração. Mais totalitário que isso só propondo a construção de campos de imigração (immigration camps), mas enfim, é só a minha opinião.
A maior questão dessa campanha ilustra ainda mais a distância da política normal brasileira- os partidos discutiam basicamente onde e quando eles iriam cortar nos gastos do governo (dada a crise). O partido trabalhista falava em cortar mais gradativamente, o conservador em cortar agora logo, e o social democrata alguma coisa entre isso. Minha imaginação limitada não consegue nem conceber um candidato a alguma coisa no brasil se elegendo prometendo cortar algum serviço público, mas aqui é assim que funciona, eles competem sobre os cortes.

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Diferenças no sistema à parte, a maneira que as eleições são encaradas aqui é totalmente diferente. O voto não é obrigatório, e o dia de votação não é feriado, nem mesmo domingo, mas ao menos pode-se votar das 7 da matina até as 10 da noite.
Os lugares em que se vota são improvisadíssimos: eu votei numa escola aqui perto de casa, mas teve casos esdrúxulos -como de salões de beleza com urna eleitoral, tipo vote cortando o cabelo. Sério. Os mesários são funcionários públicos oficiais, não são cidadãos aleatórios, onde eu fui só tinham três -um pra conferir seu nome numa lista, um pra entregar a cartela de candidatos ao parlamento, e outro pra te entregar a cartela de candidatos ao governo local (que não parecem ser mais do que uns burocratas eleitos, sem grandes poderes políticos, eu mesmo não vi propaganda nenhuma desses sujeitos em lugar algum). Pega-se a cartela que você tem direito, (eu só pude votar nas eleições locais) marca-se no quadradinho do seu candidato (só um no caso do candidato ao parlamento, até três no governo local) depois é só botar o voto na urna.
As "cabines de votação" são duas tábuas na parede te separando da próxima cabine, sem nem aquela cortininha clássica atrás. Nas paredes estava o material normal de sala de aula, sem nenhuma menção à eleição.
Não existe título eleitoral na grã-bretanha, você se registra dando o seu endereço e nome completo, até quinze dias antes da eleição e recebe pelo correio um papel dizendo onde você vai votar. Ninguém pede nenhuma forma de identificação na hora de votar, (não existe carteira de identidade na inglaterra) você fala seu nome e endereço e é isso.

quinta-feira

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Duas semanas atrás eu votei numa escola aqui perto de casa. Eu adoro eleições, mas foi impossível não ver nesse humilde evento o abismo de diferenças culturais que existe entre brasil e grã bretanha. Chamar isso aqui de democracia é uma licensa poética. Me explico.
Aqui, como o leitor alfabetizado sabe, reina uma rainha sobre duas casas legislativas (que também são executivas, não tem a famigerada separação de poderes como no sistema americano). Uma dessas é a "house of lords", que não tem membros eleitos, eles são apontados por gente importante e tem cargos vitalícios e hereditários. Eles votam coisas e tal, mas são submetidos à segunda casa, a "house of commons", essa sim com membros eleitos. "Eleitos" no sistema inglês, que é radicalmente diferente do brasileiro. Cada distrito eleitoral (tipo um bairro ou cidadezinha) elege um dos 650 ministers os parliament (MPs), o sujeito que ganha a maior parte dos votos no seu distrito se elege, independente de quantos votos isso foi, pode ter sido 70%, 40%, 12%, tanto faz, contanto que tenha sido mais do que o segundo mais votado. Não raro acontece da maioria dos eleitos não refletir a maioria dos votos no país, e isso é particularmente eficiente em limar partidos menores, que não conseguem concentrar votos em um só distrito, mas sim um tantinho em cada canto do país (como o partido verde inglês, ou o BNP, british national party, o partido facista inglês).
Como esse sistema acaba consolidando a existência de dois partidos fortes, na inglaterra de hoje eles são o partido conservador (apelidado carinhosamente de Tory) com 305 MPs eleitos, e o trabalhista (na atual configuração igualmente carinhosa conhecida por New Labor) com 258 eleitos. Outro partido grandinho é o partido social democrata (sem apelido), que conseguiu 57 cadeiras. O gráfico ajuda.
Com um total de 650 cadeiras, a não ser que algum partido consiga pelo menos 326 (50%+1), ninguém tem uma maioria clara. Isso na política inglesa é uma desgraça enorme, eles tem até um nome pra isso, chama "hung parliament" (tipo "parlamento na corda", pendurado, etc). Se você acha que a política é a arte das alianças e negociações, dos toma-lá dá-cá, aqui não tem nada disso. O mercado entra em pânico só pela possibilidade de não acontecer uma maioria clara, e os panfletos políticos e jornalistas pregam o apocalipse se um partido não conseguir a maioria, o governo seria fraco e indeciso, e isso é intolerável.


quarta-feira

o melhor de ontem hoje

A preguiça de escrever coisas novas leva inevitavelmente a caçar outras velhas, do tempo que se era produtivo e acadêmico, embalado pela leitura de textos obscuros de hermeneutica e do tijolão da baleia branca. Esse foi um texto produzido numa disciplina da filosofia em 2005, se não me engano. A gente podia analizar um poema (do heidegger, ou que o heidegger gostava, essas coisas de professor bitolado), ou usar qualquer outra coisa coisa. Como eu tinha acabado de terminar de ler Moby Dick, aproveitei a (única) oportunidade de dar uma utilidade prática em ler os clássicos (que nada mais são do que os livros que todo mundo conhece e ninguém lê). O tamanho diminuto não é culpa minha, isso foi uma de muitas questões de uma prova em sala de aula.


O trecho analisado é o monólogo de Ahab que inaugura o terceiro dia de caça a Moby Dick. Ahab é uma personagem muito forte, com uma história muito peculiar, e isso é marcante em quase todos os seus devaneios, de modo que é prudente dar alguns dados sobre o capitão.
Ahab começa sua história como capitão baleeiro por profissão, e nisso possui grande carisma na liderança da tripulação, e grande saber (supersticioso ou não) sobre as coisas do mar. Após perder sua perna para Moby Dick, o homem se transfigura em puro ódio fervente. A vingança consome-o .
A partir desse momento, Ahab torna-se uma personagem com uma meta só: matar a baleia branca, e todas as suas ações podem ser vistas sob este prisma sem problema algum. Já não precisa mais refletir ou pensar: sabe o que quer e como faze-lo, sem meios-termos ou desvios de rota. Segue seu objetivo com a paixão de quem conhece sua sina, pois se reconhece não como quem a gera, pois não reflete mais, nem mesmo é o calor do ódio que lhe sustenta. Agora Ahab é como a erva vulgar, ou melhor, como o navio condenado, afinal, tem os velames destroçados, uma causa perdida à deriva no mar. Tudo o que pode fazer é seguir os rastros da baleia, numa inevitabilidade que o leva ao fim de seu destino.
Apesar das auto referencias que o capitão fez em seu discurso, a alma real do texto ao meu ver é a metáfora construída com o vento.
O vento que sopra sobre o Pequod, sobre Ahab, é um vento sujo, que já veio de corredores, prisões e hospitais. Um vento que sopra a falta de opções; que sobra o aprisionamento pelos pecados cometidos; um vento que sopra tudo isso de forma doentia, fomentando a loucura. E comete tudo isso de forma covarde: não aceita retaliações, é imaterial como tudo o que é maligno. Fere os homens nus, pois não há defesa nem aconchego contra o destino.
No entanto Ahab encontra graciosidade e glória no mesmo fenômeno, certamente por ser este mesmo vento imutável, imbatível, eterno. Atributos divinos que saltam aos olhos quando contrastados com a instabilidade das coisas mundanas, com a falta de propósito das correntes marinhas e dos mississipis das terras, estes não passam de irrelevancias sem rumo por onde passamos. O vento não: é o que nos leva, sempre reto e imutável, nosso destino.
A contradição é consolidada pela presença dos pólos eternos por onde sopra o destino de todos os homens: o bem e o mal, mas sem nunca se desviar de seu fatal objetivo, a morte inevitável.
E a homenagem ao dia no começo do monólogo? Talvez seja um pressagio do próprio Ahab sobre o último dia da caça, quando cravará seu arpão forjado com sangue pagão em Moby Dick. Porém sem ao menos termos indícios da morte do cachalote, o mesmo ainda naufraga o Pequod. Quanto a Ahab, como predestinado, não é a baleia branca que o mata, mas seu próprio ódio, visto que a corda do arpão lançado por ele mesmo se enrosca em seu pescoço, atando-o para sempre em seu nêmesis.

Moby Dick, capítulo 135. O livro inteiro aqui.

"In his infallible wake, though; but follow that wake, that's all. Helm there; steady, as thou goest, and hast been going. What a lovely day again! were it a new-made world, and made for a summer-house to the angels, and this morning the first of its throwing open to them, a fairer day could not dawn upon that world. Here's food for thought, had Ahab time to think; but Ahab never thinks; he only feels, feels, feels; that's tingling enough for mortal man! to think's audacity. God only has that right and privilege. Thinking is, or ought to be, a coolness and a calmness; and our poor hearts throb, and our poor brains beat too much for that. And yet, I've sometimes thought my brain was very calm- frozen calm, this old skull cracks so, like a glass in which the contents turned to ice, and shiver it. And still this hair is growing now; this moment growing, and heat must breed it; but no, it's like that sort of common grass that will grow anywhere, between the earthy clefts of Greenland ice or in Vesuvius lava. How the wild winds blow it; they whip it about me as the torn shreds of split sails lash the tossed ship they cling to. A vile wind that has no doubt blown ere this through prison corridors and cells, and wards of hospitals, and ventilated them, and now comes blowing hither as innocent as fleeces. Out upon it!- it's tainted. Were I the wind, I'd blow no more on such a wicked, miserable world. I'd crawl somewhere to a cave, and slink there. And yet, 'tis a noble and heroic thing, the wind! who ever conquered it? In every fight it has the last and bitterest blow. Run tilting at it, and you but run through it. Ha! a coward wind that strikes stark naked men, but will not stand to receive a single blow. Even Ahab is a braver thing- a nobler thing than that. Would now the wind but had a body; but all the things that most exasperate and outrage mortal man, all these things are bodiless, but only bodiless as objects, not as agents. There's a most special, a most cunning, oh, a most malicious difference! And yet, I say again, and swear it now, that there's something all glorious and gracious in the wind. These warm Trade Winds, at least, that in the clear heavens blow straight on, in strong and steadfast, vigorous mildness; and veer not from their mark, however the baser currents of the sea may turn and tack, and mightiest Mississippies of the land swift and swerve about, uncertain where to go at last. And by the eternal Poles! these same Trades that so directly blow my good ship on; these Trades, or something like them- something so unchangeable, and full as strong, blow my keeled soul along! To it! Aloft there! What d'ye see?"

domingo

Obviamente esse espaço quebrou uma perna. Covardemente deixo ele agonizando aqui, ao invés de aliviar o sofrimento do infeliz. Delirios de grandeza pré-pós-biográficas me impedem de deletar tudo. Será que memória virtual fossiliza?