sexta-feira

alzheimer prevenction project






A idéia é nunca parar a cabeça pra evitar a degeneração cerebral, a estase criativa e não perder o espírito infantil. A garçonagem toma muito tempo, e a falta de obrigação é cruel com o entusiasmo de começar alguma coisa com disciplina, mas hoje rolou de completar minha primeira bonequinha no Blender (que ficou legalzinha, ainda não é como deve ser, mas tem valor sentimental). Na constante proposta do que se pode fazer na vida, o computador sempre foi uma promessa não cumprida pra mim. Sempre eu quase peguei a manha de alguma coisa. Mas agora rola internet, tutoriais fantásticos na wikipédia e software livre (a coisa mais legal que inventaram).
Qualquer macaco velho consegue aprender, se tiver na pilha. Vou ver se dá pra me reinventar de artísta multimídia.



terça-feira

inside london II


O tate modern é o único museu grátis que fica aberto até tarde no sábado. Depois de uma overdose de 12 horas seguidas garçonagem (das seis da tarde as seis da manhã) só deu pra acordar e criar coragem de sair de casa pra alguma coisa que ficasse aberta até depois das cinco. Mas valeu a pena, se valeu.
Particularmente bacana nessa visita foi conhecer um pouco do autor dessa belezinha aí em cima, Yves Tanguy. O quadro me deixou particularmente perplexo pela capacidade (tão rara na arte moderna) de aliar o prazer estético com a reflexão sem a necessidade dos gigas de informação que supostamente fariam o observador "entender" ou "gostar" da obra.
Ao desprivilegiar qualquer interpretação em particular, a crítica pós-moderna exige uma postura de co-autoria do consumidor do trabalho artístico, e a arte ganha sua diferenciação do resto do mundo justamente por ser um espaço que demanda a ausência de uma visão verdadeira sobre algo. Infelizmente muitas obras falham miseravelmente em conseguir extrair algo dos não iniciados nos arcanos filosóficos (que eu deixo pra outro dia).
Não foi a sensação que eu tive com essa pintura. Eu nem me lembro o nome dela, ou a data, mas o aspecto confuso das formas que parecem com aviões, com partes lisas e aerodinâmicas, fundido com as outras coisas arrendondadas, que lembram pessoas as vezes, ou partes mecânicas, e a impressão de que elas não são realmente separadas, mas formam coisas mais complexas, me deixou pensando na mistura necessária pras pessoas voarem. Máquinas habitadas por pessoas que desempenham papéis mecânicos no funcionamento da própria máquina, obtendo com isso mais do que o propósito do deslocamento pelo ar, uma verdadeira simbiose estranha que desafia categorias limpas, interpretações únicas. Como essa pintura. Uma obra fechada no sentido de que não precisa de nada fora de si para poder ser apreciada com profundidade.
E isso foi só o que eu achei, imagina alguém entendido do assunto, ou alguém que não goste de mim a ponto de pensar em alguma coisa mais legal justamente com base em algo radicalmente diferente do que eu escrevi?

direto do moleskine

A verdade é masoquista.
Pode parecer elegante em suas vestes e maquiagem
mas gosta é que lhe puxem o cabelo
que lhe rasguem a calcinha.
As outras gostam de elogios
se deitam por amor
A verdade gosta de amantes fortes
tapa na cara
xingamento.
Ela dá trabalho
só se humedece com o suor
dos que tentam penetra-la.
Beliscão nos mamilos
mordida nas costas,
a verdade topa tudo
nunca se cansa.
As outras são cheias de moralismos
pedem respeito
choram quando abandonadas
mudam de idéia, voltam atrás.
A verdade gosta é de suruba
afinal
ninguém agüenta come-la sozinho(a)
e ela ri de cada um que se rende
de cada um que a compara com as outras
de cada um que lhe propõe monogamia.
Cintada na bunda
aperto nas coxas.
A mais velha de todas
a verdade generosamente
se deita com qualquer um que não tenha medo
de tomar umas porradas também.

domingo

in God we trust III

A justiça é o maior paizão. Justiça no sentido instituição, nos juízes e leis, nos promotores e assistentes sociais. O conflito que vai parar nas cortes não é terceirizado, mas sim mediado, adicionam-se camadas, buffers, distâncias entre as partes. Como princesas que tem seus cavaleiros para lutar suas batalhas, as partes ficam secundárias, deixando advogados se engajarem em pântanos legais na busca da aprovação do juíz.
A pegadinha que deixa tudo menos bonito pode ser encaixada na metáfora se você imaginar que as princesas podem contratar mais cavaleiros, escudeiros, soldados e tanques de guerra. As camadas entre as partes começam a ganhar um poder desigual, e o pântano onde elas batalham pode ser moldado pelo próprio peso de um dos exércitos mercenários. Como a arena não vai deixar de ser um pântano (porque os legisladores não vão refazer tudo tão cedo, e porque esse pântano beneficia quem tem o peso pra aterra-lo), a sobrevivência do sistema foi condicionada ao acúmulo ainda maior de poder nas mãos dos juízes. Se toda lei que sai do congresso é ambígua justamente pra poder ser aprovada por facções que não concordam em nada, o poder fica com quem interpreta essa lei. No fim das contas, esse esgoto acaba nos mangues, nos pantanos, e o senhor dos pântanos é o juiz.
Por pior que seja essa concentração de poder nas mãos do juiz, esse é o único obstáculo à simples guerra entre as partes. As vezes guerra mesmo, conflito físico, agressão. Por mais que seja ingênuo pensar assim, na visão do senhor dos pântanos as partes perdem um pouco do seu peso pra serem novamente vistas como só dois sujeitos que discordam em alguma coisa.
Essa mudança de foco é poderosa: ela é que justifica todo o sistema judiciário, quiçá todo o Estado. A capacidade de não enchergar toda a diferênça de poder entre os sujeitos, de fingir que somos todos iguais, é o unico empecílio à tirania do mais forte. Não adianta nada valorizar a ação do indivíduo, a vingança que cada um tem direito, se no fim do dia vão existir pessoas tão fracas (por diversos motivos, justos ou não, adiquiridos ou inatos, materiais ou intelectuais, etc) que não podem fazer nada por si, ou sujeitos tão fortes que ninguém consegue tocar, não importa o quão abusivos em suas práticas. Admitir isso é o passo fundamental pra desfazer as ilusões de poder do consumidor, do eleitor (isolado), do herói. As ilusões de igualdade também são desfeitas: o sistema inventa a igualdade justamente porque se ela existisse em si a justiça seria desnecessária. Voltaire disse que se deus não existisse nós teríamos que inventá-lo. Na verdade, a justiça e a igualdade é que tiveram que ser inventadas, com resultados muito melhores, há de se convir.

quinta-feira

in God we trust II

Essa coisa de justica com as próprias mãos me deixou pensando... eu mesmo nunca gostei dessa ética da vinganca. Mas a terceirizacão da relacão entre as pessoas tambem é muito problemática. Mas o grande problema da vinganca não é o fato dela ser feita individualmente sem mediacões, é a desproporcão que ela atinge, ou sua crueldade quando aplicada precisamente (no olho por olho).
O ser humano é um bicho ganancioso, e o ódio ou a cobica sempre conspiram para o injusticado se achar no direito de cobrar mais do que teve cobrado. Hamurabi sacou isso e botou na pedra, e o que hoje se acha cruel deve ter sido um avanço humanitário na época.
Mas é pouco. Atualmente diversas sociedades (incluindo o Brasil com sua constituicao super-gente-fina com quem quebra a lei, trocentos recursos a favor do acusado, entre outras coisas que estavam na moda quando os ex-exilados voltaram pra cá com medo do Estado) chegaram num ponto no qual a simples reciprocidade foi substituida por medidas que tem em sua concepção a idéia de que as pessoas vão se regenerar, que a lição pode ser aprendida, que nego se arrepende de ter sido mal. Mas esse não é o ponto.

in God we trust

Justica divina sempre foi um nao-conceito. Seu significado e' tao vazio, tao derrotado que todas as sociedades humanas arranjaram um jeito de inventar a justica aqui na terra. Isso quando nao simplesmente deixam claro que e' aceitavel fazer justica com as proprias maos, dar o troco, se vingar, honrar a palavra, ser honesto, pagar as dividas. Ninguem aceita Deus como fiador.
A falta de fe' das pessoas no karma as leva ate a contratar um tipo de profissional (conhecido pela desonestidade e falta de escrupulos) para tentar a sorte em um sistema de intermediacao (que todos admitem ter inumeros buracos) e serem julgadas por juizes (tambem nao muito famosos pela sua integridade), tudo isso dentro das regras criadas pelo tipo mais odiado de gente (os politicos).
Existe um cinismo na atitude das pessoas que nao se vingam sozinhas, agindo como se confiassem no que ninguem diz confiar, e dizendo confiar no que ninguem confia de verdade. Mentira, os derrotados e impotentes sempre confiam na justica divina, mas so depois que esgotam as possibilidades terrenas, em um ato de dissonancia cognitiva, o nome tecnico do conformismo.

segunda-feira

inside london

Curto e grosso: Londres e' meio palha.
Beleza, vamos botar uns paliativos: Londres no inverno e' fria e escura, faz zero graus, sempre cinza, sem neve, escurece as 3:30 da tarde e e' suja.
Trabalhando de garcon, que agora eu imagino que seja uma merda em qualquer lugar, eu sei la por que diabos tinha a ilusao de que em Londres todo servente seria um universitario em uma pausa em sua jornada de iluminacao, um peregrino do saber ampliando os horizontes fora da academia, desapegado dos valores materiais e morais, pronto a debater um mundo melhor enquanto lavava pratos, ou entao falar de terras distantes e viagens enquanto carregava um prato de salaminhos. Porra, eu achava que pelo menos nego iria ter o segundo grau completo, saber ingles, sei la'.
Ao invez disso, o que me aparecem sao uns zumbis semianalfabetos, levando a vida no ponto-morto, desapegados de pensar no porque as coisas sao como sao, automaticamente repetindo as asneiras dos jornais gratuitos da hora do rush londrino (sim, tem altos jornais de graca aqui. o problema e' que eles sao ingleses, o que significa que tem pelo menos uma foto de mulher com os peitos de fora ocupando uma pagina inteira, mais algumas paginas com celebridades, que podem ou nao estar com os peitos de fora, e o resto e' futebol).
Eu sei que existe racismo no Brasil, mas aqui os brasileiros saem do armario totalmente: esquece as piadas e o nervosismo, nego fala abertamente que preto e' bandido, mal educado, e coisas piores. As minorias londrinas nao escapam, de repente os brasileiros tem um conhecimento eximio da fisiologia indiana, versando sobre como eles fedem e sao sujos, de como os poloneses sao escrotos, e um que eu achava que era lenda de holywood: anti-semitismo. Esse nao e' exclusivo dos brasileiros, pelo menos do que eu vi, alguns porugueses e leste-europeus falando com uma raiva estranha, coisas do tipo "hitler devia ter terminado o que comecou", ou "sao piores do que animais". Bizarro. Meu alivio foi um broder indiano que me perguntou qual era o galho com os judeus, me lembrando que no oriente a falta de cristianismo os deixa totalmente alienigenas pra essas nossas peculiaridades ocidentais.

magica II (sem vacas)

A propria multiplicidade de interpretacoes e tradicoes que historicamente se associaram aos signos astrologicos e ao tarot inviabilizam a construcao de um sistema positivo de conhecimento que os use como referencia. O mesmo pode ser dito sobre os animais, os elementos, as estacoes, etc. Isso meio que fura a proposta esoterica/junguiana de se objetivar alguma coisa baseando-se em alguma tentativa de "resgatar" o sentido original dessas alegorias.
As proprias palavras passam por esse processo de degradacao, se transformando arbitrariamente ao longo do tempo, das distancias e dos usos. O esclarecimento conceitual e' um mal necessario em qualquer tentativa de transmitir informacao precisa. E' talvez nesse sentido que a matematica seja tao eficaz, a pobreza de significado de seus signos, grandeza e quantidade, deixa a mensagem livre de sub-relacoes ou referencias que costumam confundir os textos.
E' por isso que eu acho o ateismo uma consequencia inevitavel da consciencia de multiplas alternativas religiosas. As contradicoes entre as bases metafisicas, a inevitabilidade da transformacao historica de tradicoes que dependem em grande parte de sua atemporalidade... todo um sistema de desinformacao e' necessario para manter uma coerencia que sempre depende de saltos de fe'. E cada vez mais revisoes, a medida que o racionalismo avanca feito um trator, depredando mitos e tambem autenticas riquezas esteticas, poupando so os que se calam frente a cada vez mais contradicoes que a modernidade bota em suas visoes de mundo.

domingo

magica (with cows)

Magica. Transformacao da realidade pelo uso de simbolos. Sem nenhum esforco eu consigo ver que essa definicao (propositalmente apressada) pode ja enquadrar outro fenomeno com uma reputacao um pouco melhor: linguagem. Afinal, o falante transforma (fisicamente) o cerebro do ouvinte usando palavras, que nada mais sao do que simbolos. Coisas que representam coisas que eles nao sao. E quem sabe mude mais ainda a realidade, ordenando alguem a fazer algo, de passar o sal ate declarar guerra, grandes transformacoes sao feitas na realidade usando simbolos. Magica.
Ou entao, telepatia. A habilidade de transferir pensamentos que estao em uma mente para a outra. Isso pra mim tambem pode perfeitamente ser chamado de linguagem. Se nao parece extraordinario, cogite o cenario no qual outros animais, as vacas por exemplo, conseguissem transmitir seus pensamentos de maneira tao precisa e articulada entre si como nos fazemos. Que exercito magnifico dariam esses bovinos de ate 500 quilos, em posicao de negociar um modelo de relacionamento bem diferente do que nos temos hoje. Tradicoes orais de serventia ou revolucao circulariam entre as fazendas, toda uma cultura possibilitada pela transferencia de informacao precisa entre cerebros de touros, bezerros e vacas. A velhice e a consciencia da morte seriam inevitaveis, coletivamente ampliadas, urgindo melhorias no presente ou ideologias de vida apos o abate. Teriamos que inventar maneiras sutis de obter nosso leite, quem sabe provendo os rebanhos com um esporte que valorizasse a serventia, um senso de dever e honra em servir ao bem maior que seu couro possibilita ao ser usado em tambores e jaquetas. Ou medidas paliativas, como delegar a uma elite de touros o funcionamento dos acougues, e o direito do resto das vacas de escolher seus carrascos democraticamente, em eleicoes milionarias cheias de furor sobre a cor dos candidatos. Ou criar divisoes entre as racas bovinas, segregar vacas com base no seu sotaque, criticar seus revolucionarios por nao conjugar direito os verbos, sei la'. Caralho, nao era isso que eu queria ter escrito nesse post, que onda.

linguagem III

Mas o ponto que eu quis fazer com o tractatus e' que a conexao das ideias expostas no livro e' incrivel. Com um tratado de logica o autor termina falando sobre os limites da linguagem, e apostando alto em como as questoes que mais importam para as pessoas nao podem nunca ser esclarecidas por meio da linguagem. Um livro suicida, como o autor mesmo sugere, ja que ele mesmo nao segue o seu conselho e fala sobre as coisas infalaveis, mas tem a sagacidade de dizer no final que, seu texto tem que ser usado como uma escada que e' descartada depois de escalada, inutil depois que cumpriu sua funcao.
Essa ideia de conexao entre areas tao dispares, logica e moral, me foi tao impressionante, me ofuscou todas as ideias de juntar fisica com biologia, psicologia com literatura, artes com politica. Pontes maiores e mais ousadas podiam ser erguidas com um rigor inescapavel. Possibilidades imensas de diferentes revelacoes sobre as miopias dos sistemas de saber, dos sistemas operacionais, sobre os sistemas de jogo. A confusao entre as regras que determinam os campos podia ser feita de maneira a se aproveitar fundalmentalmente virtudes e falhas especificas a cada questao, empalidecendo qualquer tentativa anterior de explicar tudo com uma so maneira de ver as coisas.
A proposta marxista de esclarecer tudo pelas relacoes de classe, da psicanalise pelos afetos formadores do sujeito, da economia com seus mercados sem enganos, do pos-modernismo e sua totalidade do discurso relativisado ate o paradoxo... tentativas infantis de morder mais do que conseguem mastigar. A boa teoria tem os seus limtes, o bom romance tem um fim, as coisas terminam pra outras comecarem. A grande sacada sao as pontes que conectam as coisas entre seus vazios, e que conectam, (por que nao?) os vazios entre si.

linguagem II

Mas as reflexoes sobre a linguagem so' me ganharam a dimensao devida quando conheci o tractatus logico-philosophicus. Nesse livrinho muito mal escrito, Wittgenstein bola uma serie de reflexoes sobre logica e linguagem que culmina no que seriam as limitacoes da etica e da estetica.
No resumao cruel, eu vou botar o ensaio que eu fiz sobre o que mais (me) importa no texto. Os numeros em parenteses sao os aforismas onde as coisas estao no livro mesmo.

A semântica, no Tractatus, se mostra na proposição, sendo a estrutura necessária para a representação do pensamento para os sentidos (3.1); na verdade, a condição de representação qualquer; é a forma na qual a representação é possibilitada (3.13), pois essa mesma não é somente um aglomerado de nomes, mas tem uma articulação precisa, uma sintaxe específica (3.141). A proposição tem também um sentido, que é sua condição de verdade em relação ao que diz representar do mundo, e ”só os fatos podem exprimir um sentido, um conjunto de nomes não pode” (3.142), e essa referência aos estados de coisas, essa compreensão (4.021) é como as significações da expressão lingüística são apreendidas e geradas. As coisas, os nomes, eles não são o mundo, e o mundo, no Tractatus, é a totalidade dos fatos (1.1). Os fatos denotam estados de coisas, e estes descrevem o mundo como um espelho, mas ao invés do espelho mostrar as regras da óptica, mostra, no caso das proposições com sentido, as regras da lógica (4.121). Wittgenstein pode dar-se ao luxo de definir que a proposição que espelha o mundo deve seguir a lógica, pois para o autor a realidade segue as regras da lógica (5.552). Os estados de coisas compõem o mundo, portanto, a proposição que não aponta isso, que versa sobre valores (ou desejos, ou angústias, por exemplo), tem que estar fora do mundo (6.41). E como as proposições mais complexas são deriváveis das menos complexas (6.126), e tem seu valor de verdade derivado destas, proposições sem sentido (sem a possibilidade de exprimir qualquer valor de verdade) não podem ser usadas na construção de proposições complexas, seriam como tijolos intangíveis. Esses enunciados de valor são os limites da linguagem.

Em uma tentativa muito interessante de manter um reduto espiritual/moral/estetico da avalanche racionalista do comeco do seculo XX, Wittgenstein cava a trincheira definitiva: ele nao tenta desqualificar os argumentos da filosofia e da ciencia, ao invez disso ele propoe que qualquer coisa que sequer fale sobre isso e' non-sense, nao tem valor de verdade ou falsidade, nao chega a fazer nenhum sentido. Genial.

linguagem

Ao longo dos ultimos anos eu tive uns pedacos de reflexoes adubadas na minha cabeca. A linguagem do sofrimento, dos aflitos que vem procurar ajuda. As contradicoes do cliente que aos poucos revelam o quanto ele precisa se ouvir mais, justamente para ver as limitacoes do proprio discurso, e que os afetos estao alem das palavras, o que paradoxalmente as envolve com toda uma importancia diferente da que tinham antes do processo analitico.
Outro dia uma amiga apareceu em casa chorando os problemas do relacionamento. Caralho que saudade de poder ouvir com calma, com tempo! Que saudade de poder, como eu nao pude nessa ocasiao, deixar o outro se exaurir em discursos que soh tem importancia pelo que tentam esconder, de deixar aos poucos a cortina se levantar para revelar, com imenso prazer, as promessas vazias do magico de oz que sou como terapeuta.
Uma outra metafora: assim como a plateia vendo o ilusionista cujos espelhos e fumaca nao conseguem aplausos, o terapeuta pode ganhar pelo cansaco, arrancando a realidade do cliente justamente por mostrar como suas ilusoes nao tem graca.

sexta-feira

vazios III

Eu acho que existem vazios no meu pensamento, vazios ligeiramente cortados por pontes de imaginacao que ligam as fronteiras de paises estrangeiros, que falam linguas diferentes e tem outros costumes. Essas pontes sobre o vazio sao um exercicio de analogias e metaforas, de provas logicas e intuicoes. Sao piadas e relacoes esteticas, pontes sobre os vazios de mim.

vazios II

Quando tu olha no abismo, o abismo da uma piscadinha de volta. Mas uma coisa maneira que pode ser tirada disso e' que existe a possibilidade de voce nao necessariamente achar o abismo uma coisa ruim. Existe o exercicio zen de tentar olhar o abismo e nao pensar nada, que e' dificil. Ou entao, tentar ver algo belo em como o vazio compoe as coisas. Os limites. As relacoes. Se tudo fosse um so emarranhado, seria uma pobreza de relacoes entre as coisas, ate porque nao seriam "coisas", so' uma coisa, talvez diferenciada pelos seus limites com o vazio (esse limite nao e' o mesmo que aquele limite, o miolo e' diferente do limite, etc), mas isso e' a volta do pre-socratismo.
A beleza das coisas vem das relacoes que elas tem entre si e com o nada. Uma constelacao e' muito bela de se ver, e parece uma unidade, mas isso e' uma ilusao. Existem vazios enormes entre as estrelas, que nos preenchemos de apreciacao quando vemos que e' bonito. "Entao ele viu que era bom", como no Genesis.
A propria relacao entre duas pessoas e' uma constante valorizacao de diferencas, de limites. Gosto de voce porque voce me diz coisas que eu nao diria sozinho pra mim mesmo. Gosto de voce porque voce me faz rir. Gosto de voce porque voce e' diferente de mim. Gosto de voce porque voce me preenche. O vazio corta pros dois lados.

vazios

Rolam altos vazios. Vazios em todo lugar. Em um exercicio estranho de torcao de palavras, da pra se imaginar que tudo existe tem que necessariamente ter um fim, um limite, algo que depois de si, tenha outra coisa que nao seja a mesma coisa, uma diferenca, uma ausencia do que acabou (de acabar), um vazio.
No tempo e no espaco, diversos vazios. Pense nos infinitos anos antes do comeco ou no fim do mundo (alias, o que seria um ano sem a terra girando ao redor do sol como referencia, ou o tempo na ausencia de qualquer movimento, no vazio?). E aquele cliche, de que os atomos tem muito mais nada dentro de si do que materia? Tao batido que perde a graca. Ou a imensidao de nada no espaco sideral...pusta vazio.
Na verdade, provavelmente e' um truque pensar em alguma coisa fora do espaco ou do tempo, ja que 1.ou isso nao existe, ou 2.a nossa mente de macaco pelado nao consegue pensar em algo assim. Ninguem reclama que o rato nao entende uma piada, ou que o cachorro nao aprende a falar. Por que diabos o ser humano nao deveria ter limites no que consegue pensar? Um limite do conhecimento, um vazio na mente.