domingo

deixando um belo corpo


São poucos, muito poucos. A ideia, provavelmente proferida pela primeira vez por Oscar Wilde, de que a qualidade da obra é inversamente proporcional à qualidade da vida do autor (pensando bem, talvez ele tenha dito algo ligeiramente diferente, quem sabe se referindo ao caráter, pelo que me lembro do Retrato de Dorian Gray), me sôa como a posição ortodoxa sobre o assunto, embora eu não tenha nenhum argumento pra pensar que esse seja o caso. Não apostaria um tostão na minha opinião dos outros, quanto mais no que quer que seja essa coisa que atende pelo nome de maioria.
Mas voltando a ideia mencionada, é divertido pensar nos contrastes e nas comparações entre as vidas dos escritores. Digo escritores (apesar da ideia original tratar de artistas em geral) porque, no meu limitado imaginário carcomido pelo efeitos emburrecedores do youtube, escritores sempre foram os mais infelizes dos artistas, dados a contradizer o fascínio que suas obras provocam no público. Provavelmente porque são obrigados a detalhar (e consequentemente moldar em certo grau) as ilusões que seus admiradores inevitavelmente irão imaginar ao consumirem seu trabalho.
Todo cidadão culto, se pressionado o suficiente depois de doses encorajadoras de algum narcótico, sabe gagejar alguma anedota (invariavelmente apócrifa ou ridiculamente cliche) sobre a vidinha de algum dos pilares da literatura ocidental. Kafka era um derrotado, Proust uma mocinha delicada, Dostoyevsky na sibéria, Borges morrendo cabaço, Jorge Amado metendo receitas baianas pra engrossar livros medíocres, blablabla. Tudo muito chato.
São poucos os escritores que realmente tiveram uma existência invejável, minimamente comparáveis com o peso intelectual das seus trabalhos. Tolstoi teve toda aquela juventude matando cossacos pelo czar antes de se converter, o que deve ter rendido umas belas noitadas. Hemingway serviu nas duas grandes guerras, somado aos anos na guerra civil espanhola (onde Orwell também estava), e ainda assim conseguia escrever sobre as frivolidades dos expatriados americanos em Paris.
E depois vêm os menores, tipo Conrad que chegou a capitanear um vapor, ou Melville, que realmente serviu num baleeiro. Rubem Fonseca chegou a ser cana no Rio, mas que eu saiba ele nunca trocou tiro com ninguém, e de qualquer jeito, todos esses foram tomados por uma vida burocrática, então, claro que eles perdem de qualquer um que serviu com as tropas anarquistas. E o mesmo (de acordo com esses critérios super-objetivos) aplica-se aos que tiveram vidas invejáveis só no sentido de terem trepado horrores, tipo Vinícius ou Sade. E eu digo trepado de verdade, não como essa geração pós-freud que fala fala e não faz nada, porque afinal de contas, a fala já resolve tudo (aham).
Tudo isso pra dizer que eu achei, completamente por acaso, o escritor que teve a vida mais cabulosa de todos. Yukio Mishima. Leia o artigo da wikipedia e se veja obrigado a concordar comigo. Menciono apenas algumas pérolas: homossexual inrustido, teve um caso com a mulher que mais tarde se casou com o imperador. Desiludido com as frescuras do mundo intelectual (seu primeiro livro foi um sucesso quando tinha apenas 24 anos) começou a se dedicar à alterofilia e kendo, enquanto continuava publicando romances e poesias. Pra fechar com chave de ouro, cometeu seppuku depois de uma tentativa falida de dar um golpe de estado num quartel do exército japones, advogando em vão o retorno da autoridade divina do imperador. Seu discípulo favorito o acompanhou no harakiri depois de ter falhado três vezes em decapitar seu mestre (como parte do ritual), o que acabou sendo feito por um outro seguidor mais versado na katana.
Impossível bater isso, uma vez que os critérios objetivos (mas como não?) dizem claramente que abrir o próprio bucho com uma wakisashi depois de tentar dar um golpe de estado é definitivamente mais legal do que ter lutado na guerra civil espanhola. Peguei um livro do cabra na biblioteca, tenho até remorso de não achar bom.Se pelo menos os anarquistas tivessem ganhado, George Orwell ainda estaria no topo da lista...

terça-feira

abençoados os que estudaram na unb, porque...

MEU DEUS, EXISTE POLITICAGEM NA UNIVERSIDADE!!! QUE ABSURDO IMPENSÁVEL!!! QUER DIZER QUE AQUELES CANUDOS QUE ELES DÃO TODO O SEMESTRE NÃO SÃO AS MARCAS INDISCUTÍVEIS DA SUPERIORIDADE MORAL E INTELECTUAL DA ELITE BRASILEIRA?! ALGUÉM DEVOLVA MEUS IMPOSTOS! Ó,VEJA, O QUE FARÍAMOS SEM TI?
Sério mesmo, mas que belo exemplo de sensacionalismo barato. A UnB é um buraco zoado desde a ditadura, adivinha por quê? Porque o ensino de modo geral no Brasil é um buraco zoado. Aparentemente, rolou um apogeu iluminista até antes de 1964 no DF, mas quem entende dessas coisas é o Pedro, e como se trata de história do Brasil, evidentemente que ninguém se lembra nem divulga nada a respeito. Pelo que eu entendo das tretas universitárias (e entendo basicamente das que eu estava lá participando e queimando meu já chamuscado filme na graduação), você não precisa de filiação partidária pra causar estrago na universidade, embora isso definitivamente ajude.
Sem contar no mal gosto que é comparar a opinião de professores (que podem ter toda a razão do mundo) sobre as ingerências e incompetências de hoje em dia com as tragédias da ditadura militar. Não que a veja seja o bastião do jornalismo sério, mas mesmo com a óbvia pauta que a revista segue, igualar partidarismos ideológicos com assassinatos políticos ofende a dignidade não só das vítimas, mas também a de quem está reclamando da UnB de hoje. Afinal de contas, não é possível que esses acadêmicos estejam realmente querendo dizer que a falta de profissionalismo do atual reitor seja equivalente à tortura que foi infligida aos seus precursores.
Mais interessante seria comparar os números de artigos e livros publicados, o fator de impacto que a produção acadêmica tem, a influência dos projetos de extensão na comunidade, e comparar isso com as outras federais do país. Aí sim existiria um começo de margem pra uma avaliação decente da (suposta) decadência da UnB. Do jeito que está a coisa, a reportagem parece mais uma maneira de valorizar a autoestima dos eternos infelizes que todo ano são obrigados a pagar uma fortuna por faculdades particulares que conseguem ser (a despeito da ordem e infraestrutura de primeiro mundo) nada mais do que piadas frente à promiscuidade narcotizada que estuda numa federal. Mas claro, a veja não tem que apurar fatos ou fazer análises da realidade, tem que agradar seus leitores, logo...