sexta-feira

hipertexto

A interatividade da arte pós moderna codificada nas próprias regras do jogo, e um jogo wittgensteiniano (o das investigações filosóficas) sem definições exatas ou universais. A escolha obrigatória e os caminhos da má vontade. Semântica e sintaxe relacionadas de um jeito que as linguas naturais não podem ser, porque acidentais. O propósito para demonstrar o despropósito. Se Sartre fosse vivo, jogaria videogame.

segunda-feira

da necessidade da diferença 2

O artigo que todo mundo na psicologia (e nas humanas em geral) sempre quis escrever. Quem está ou passou pela academia devia ler isso, os outros estão perdoados pela preguiça de ler sobre diferenças estatísticas em estudos de psicologia social em inglês.

domingo

ano novo


milhares de velhos dançam sobre os cadáveres dos netos. mulheres chupam as placentas não rompidas umas das outras em orgias infanticidas. as balas são enfiadas à mão nos olhos dos que desviam o olhar. os cansados cospem a saliva que fermenta em bacias para fazer mais cachaça. você não admite, mas concorda com quem está no meio da coisa toda, no meio das coisas todas, no topo do jogo que nunca se ganha ou perde. the lunatic is on the grass meu caro, and there´s no place but the grass to be.

quarta-feira

Duvido que vocês conheciam essa

Raul também já quis ser Roberto.

os outros 8

Flaubérto não sabe como começou isso, mas sempre teve sorte com negras. Se sentia bem percebendo os olhares, e pra ele nunca foi difícil terminar bem uma noite de samba. Ninguém nunca viu dessa maneira (muito menos o pobre Flaubérto), mas o coitado não tinha o menor jeito com mulheres, ficava nervoso e nunca conseguia a confiança pra se fazer notar. Com as negras, mulatas, índias, bronzeadas e afins, ele se transformava. Não que sua auto-estima melhorasse, ao invés disso ele via as não-brancas de um jeito que não o assustava, ele as percebia mais indefesas, menos esnobes, menos orgulhosas, menos espertas. O racismo de Flauberto excluia a opção de ser negado pelas meninas que ele (nunca conscientemente) pensava menores, e essa certeza o fazia irresistível pra quem não pensasse a respeito.

direto do moleskine ix

Uma vez que os outros foram tirados da equação, os próprios estados internos são a maior fonte de gatilhos emocionais. A conscientização disso cria uma bola de neve de acúmulos e inércia. No tédio um sonho bom faz o dia. Um sonho ruim destrói.

quarta-feira

terça-feira

Neurose, robocop e buda iii

Mas nas sociedades os sistemas neuróticos são desgraçadamente numerosos. Existem motivos pra isso. Em primeiro lugar, não é simples diferenciar um programa que está rodando bem de um que poderia estar rodando melhor. Neurose é relativa.
Quem programa sabe que é um inferno se convencer que não tem como melhorar o código, que tudo já foi optimizado, que o problema é na máquina, etc. Ninguém sabe exatamente dar valores absolutos pra isso, e na verdade se trata de uma tarefa logicamente (no sentido acadêmico e complicado da coisa, tipo Gödel) impossível.
Mais simples é ver a pessoa neurótica. A resposta ao alienista de Machado é o principal ingrediente de qualquer psicopatologia, o sofrimento. Sem estar sofrendo (ou causando sofrimento a outros) ninguém é diagnósticado de nada. Ouvir vozes e psicografar um livro espírita não é chamado oficialmente de loucura. Ouvir vozes que te mandam cortar os pulsos, por outro lado...
O neurótico é o melhor exemplo desse princípio de sofrimento. O velho Freud mesmo chamava todo mundo de neurótico (apesar de sabe-deus-lá que definição ele usava), enfatizando a relatividade da saúde mental. Todos tem mecanismos mentais menos que perfeitos, mas é imposível dizer quanto pode-se melhorar a coisa, igual no processo de desbugar um programa.

domingo

Neurose, robocop e buda ii

Neurose como a rigidez de regras internalizadas pelo indivíduo, ou simples exesso de regras (ou sua complexidade). Critérios demais pra escolher alguém pra namorar -por exemplo- são uma receita certa pra ficar sozinho, ou pelo menos demorar muito mais pra achar alguém.
Princípios inflexíveis são raramente vistos em políticos e milionários, a instabilidade das alianças e dos mercados elimina quem não está disposto a dar um jeitinho, esquecer inimigos e aliados.
Sistemas ineficazes podem ser bem sucedidos se forem maioria esmagadora e tiverem algum mecanismo de exclusão dos diferentes, como fundamentalismos religiosos ou windows. Uma regra do tipo "só me relacionar com pessoas de fé" não funciona em uma comundade de ateus, mas não é problema nenhum se seguida por alguém que more perto de uma igreja, por exemplo. Se o windows fosse introduzido em um mercado com o mesmo número de usuários de machintosh e linux seu market share seria bastante diferente hoje.
Essa propagação das protocolos (nos casos que permitem isso) adquire regras darwinistas. Mas isso não impede que regras "bem sucedidas" (que se propaguem melhor do que as alternativas) deem origem a sistemas mal adaptados.
Exemplo familiar seria um partido composto só de pessoas super-flexíveis ideologicamente , mas que nunca conseque dar um rumo ao governo, apesar de aumentar enormemente as chances de seus candidatos serem eleitos.
Outro exemplo bem conhecido é a Constituição de 1988. Em uma assembléia constituinte dividida radicalmente, a característica mais vantajosa pra qualquer pedaço de texto ser escolhido pra fazer parte do texto era a sua ambiguidade. Quanto mais vago o conteúdo, maior a chance de não ser eliminado por ninguém, e é isso que conta na democracia. Outra estratégia registrada na Constituição é a simples contradição imediata -você aprova uma lei que eu aprovo outra- é por isso que temos o direito de liberdade de expressão diretamente seguido da idenização por dano moral. O resultado é um programa mal escrito, cheio de contradições, buracos, e com regras demais. Não é a tôa que não funciona na prática.

Neurose, robocop e buda


Ao se escrever um programa há que se atentar pra não se botar comandos demais. Quanto mais regras, maior a chance de se rolar algum erro, alguma contradição. A complexidade também costuma lerdar bastante o que quer que você queria fazer com seu programa. Quando o negócio é serio mesmo, a coisa nem roda.
***
Neurose -que nem é mais um nome oficial de nada médico- obedece as mesmas regras do programa bugado.
(Aliás, vou me poupar a definição alternativa de neurose. Freud mesmo inverteu o que chamavam de neurose e psicose, e inventou trocentos outros nomes com trocentas outras definições, e teve trocentos seguidores menos humildes ainda que inventaram mais significados e nomes com neurose no meio. Bem, não é a tôa que não se usa mais esse termo. Melhor assim, descanse em paz.)
Mas, ressusitada na era moderna dos computadores (quase um robocop) a neurose pode enfim ter alguma utilidade conceitual. Chamemos de neurose o resultado da rigidez das regras (valores, atitudes, sentimentos, etc) que competem entre si, competem com regras externas (tipo leis, costumes, etc), e com circunstâncias ambientais pela determinação do comportamento do indivíduo.
Ninguém nasce com regras pré-programadas muito complicadas, e o grosso do que é utilizado teve que ser aprendido (socialmente, provavelmente vygotskyanamente). As rotinas aprendidas só colam se elas são adaptativas ao meio de alguma maneira, em geral trazendo benefícios pro indivíduo.
(Nota pros entendidos: não confundir com condicionamento operante, pelo amor de skinner. Sem regras internalizadas não tem como explicar a variação do comportamento, chamar de "generalização" não explica nada.)
O problema da fixação de regras de comportamento foi inicialmente registrado por Sidarta Gautama. O mundo está em constante mudança e a incapacidade de lidar com a transitoriedade das coisas é a base do sofrimento. A permanencia de regras que funcionavam ontem (ou em outro lugar, ou com outra pessoa, etc) tende a levar a comportamentos mal sucedidos. A incapacidade de mudar as regras (ou os valores, as opiniões, os sentimentos, etc) para se adaptar a novos contextos (e o consequente sofrimento) é a neurose.
Assim como a contrapartida computacional, quanto mais detalhado conjunto de regras a ser seguido pelo indivíduo, maior a chance de erros acontecerem. Andar é facil, andar como um militar é mais difícil. Andar num pântano é dificil, mas marchar com água até a cintura... não é a ação em si que tem alguma dificuldade intrínsica, mas como uma é muito mais especificada do que a outra existe uma chance maior de se errar alguma das instruções.
Pode até se falar em sub-rotinas criadas em torno das regras fixas, como que para defende-las, como racionalizações e mitologias. Essa couraça serve como um buffer (em diversos sentidos) ao núcleo neurótico. Um pedaço bom das psicoterapias lida com mudanças nessas sub-rotinas e acaba não lidando com a neurose em si, mas é uma relação complicada mesmo.