segunda-feira

quality critic 2.3

Mas eu não entendo a birra com o modelo evolucionista. O reconhecimento das pequenas variações de design ao longo do tempo, e como essas mudanças tênues se acumulam em resposta a pressões seletivas (e a possibilidade de tentar identifica-las, e o quanto isso nos diz a respeito das idéias, dos povos e dos contextos), e a ordem no meio do caos, uma organização na beira do caos, um princípio único -pra genes, linguas, religiões, máquinas- que no entanto cria tanta diversidade, é muito do caralho.
Falar que esse entendimento analítico do mundo acaba com o mistério, com a graça da coisa, é tão estúpido quanto falar que um cara entendido de futebol se diverte menos assistindo Brasil vs Argentina, ou que alguém entendido de cachaça aprecie menos seu sabor. É justamente o contrário.
Voltando ao Pedro, existe todo um rigor histórico que pode advir de se descrever as mutações meméticas que ajuda muito a explicar -e na verdade mostra uma interdependência realmente transdisciplinar, matando no rigor, e não no otimismo, os vazios entre economia e genética, historia e psicologia, geografia e linguística. Quando não se faz isso rigorosamente, só se dá espaço ao lirismo, na melhor das hipóteses, e a ideologia -bem mais comum e perigosa. Não vamos esquecer que a raça ariana foi uma estrapolação mal feita entre uma idéia filológica e uma genética tosca, embrulhadas em uma economia de guerra num contexto histórico de extremos -ouvindo Wagner.
Duvido que o "esclarecimento conceitual" pudesse ter evitado a alemanha nazista, mas a proliferação de "vacinas meméticas" podem minar alguns efeitos que são usados por políticos, religiosos e ideólogos variados. O questionamento de autoridades, seja ele nos sabores ceticismo, punk ou empirista, são barreiras que podem ser usadas como anticorpos, e quanto mais articulados esses anticorpos forem com um sistema de visões alternativas dos mesmos fenômenos -da vida, do mundo, das pessoas- mais perto se está de realmente entender uma justificativa racional (e não só necessariamente moral ou estética) para a tolerância que existe no estudo, e não na defesa apaixonada, das idéias.
Esse é o tipo de proposta que tem em sua raíz uma preocupação com erros de memória (porque esses erros, essas mutações, são uma de suas bases de estudo), e percepção das idéias pelo seu valor em si, e não por maquiagens menos funcionais, como essa neofilía que assola alguns meios acadêmicos.
O judaísmo deu origem a mutações que passaram por processos acelerados de diferenciação em sua gênese, mas que hoje estabilizaram uma série de mecanismos de "fidelidade de cópia", como as instituições das igrejas católicas ou os califados. Entender os mecanismos de evolução, genética de populações e seleção natural é muito produtivo -e cheio de pontes pra outros fatores- para se ver porque e como isso se deu, o modelo darwinista dá o mapa e o mecanismo, não o nome das cidades ou o formato do vale. Mais do que pseudo-respostas como "ajudar a impulsionar" ou "racionalizar os acontecimentos da melhor forma que a sua estrutura lógica permite" (quem diria 100 anos atrás que dançar com o padre marcelo rossi seria permitido dentro da "estrutura lógica católica"?), temos um algoritmo pra trabalhar. E ainda tem muito trabalho. Como toda boa idéia, a seleção natural faz a parte difícil do entendimento, que mais do que dar as respostas, é dizer quais são as perguntas certas.

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