quinta-feira

os outros 4

Jaime estava cansado. Desligou o computador e foi escovar os dentes. No espelho, por causa da luz amarelada do banheiro, via seus olhos bem claros. Pensou, com um sorriso triste, pela milésima vez:
"A grande tragédia da minha vida é que meu cabelo só fica bonito antes de dormir."
Apagou a luz e foi pro quarto. Com cuidado pra não fazer barulho, entrou embaixo das cobertas e se deitou de lado com o travesseiro sob a cabeça. Sentiu Marcos o abraçando, do mesmo jeito de sempre. Quando ele passou a mão pelo seu cabelo, ouviu baixinho uma voz sonolenta dizer:
"Mas que cabelo lindo" Marcos sussurou, sem abrir os olhos.
Agora era oficial, Jaime sabia que tinha encontrado o homem da sua vida.

quarta-feira

os nomes escrotos

::Atualizando: a lista ficou tão grande que ganhou lugar próprio. Constantemente atualizada até eu arrumar um emprego melhor.

Agora trampo de telemarketing, ligando pra saber a satisfacao dos consumidores de uma certa empresa gringa no Brasil. Paga melhor, e apesar de nao ter as historias de bar, tem isso aqui oh:

A Infame Lista dos Nomes Escrotos

Azonilda
Abimael
Anadson
Allysson
Abelice

Crislaine

Dircineu
Dulcejane

Elisiane
Edenita
Elijanete
Eronilton
Enesia
Edelzuita

Fatma

Geimeson
Gisiela
Glaucione
Genivaldo

Hadovaldo
Haldrio Tafarelo

Italucy

Joanito
Jusiene Jesus
Josimarcos
Jucacia
Jogurta

Inezita

Leilamar
Lucivania
Leocir (esse confirmado que eh um homem)

Mahiba Atum
Meirilucy
Marinaide

Natalicio
Neizil Asvolinsque

Palmeir

Rudmila
Rogaciano

Sizieboro
Sabolde
Sivanildo

Teodorico

Uilton

Vanderli

Wadson

Ps. No sistema que a gente usa nao tem acentos (como nesse teclado que eu to usando), entao fiquem na curiosidade.
Ps2. Sobrenomes sao omitidos por razoes eticas, a nao ser que sejam uma combinacao bem escrota, ao que eu me defendo dizendo que a culpa nao eh minha, mas dos pais dos agraciados.

terça-feira

perfect day

such a perfect day

Neuras (pro Fábio)


Os anos noventa tiveram uma publicidade estranha pra psicologia. Bush (pai) chamou esses anos de "década do cérebro". Apesar da problemática relação do lobby psicofarmaceutico com o clã Bush (particularmente a corporação Eli Lilly, do famoso Prozac) e das promessas de glórias médicas que viriam das novas tecnologias, os anos noventa não foram particularmente diferentes do resto da história da psicologia. Nenhum Freud, nenhum Princípios de Psicologia, nenhum Manifesto Behaviorista, nenhuma Revisão do Comportamento Verbal, nenhum Modularity of the Mind. A ciência cognitiva já estava andando bem, a idéia de que o homem veio do macaco já tinha sido assimilada por alguns (poucos até hoje) no campo, mas nada disso foi (gravemente) afetado pelas imagens coloridas do cérebro.
Sem querer diminuir as grandes implicações médicas que saber qual pedaço de nervos dispara quando o rato sente um cheiro novo ou velho ou familiar (e algumas cobaias homo sapiens cujo cérebro não seja muito diferente dos livros textos) trazem, a verdade é que isso não difere muito de saber onde e qual chip dá choque dentro do iphone quando esse toca o alarme. Muito útil quando se precisa trocar uma peça defeituosa, mas bem pouco quando se quer entender o como a coisa funciona. Continua...

sábado

mais memética

A proposta de entender a informação cultural como unidades replicantes (meme) sujeitas à regras análogas as que regem os replicadores de informação pra codificar proteínas (genes) constantemente esbarra, tateia, mas nunca nomeia, a sua conclusão lógica: a possibilidade de enfim "descobrir" uma meta-estrutura na cultura (e por consequencia na sociedade, na mente).
Qualquer proposta estruturalista faz bem em aprender do exemplo que funciona, a saber, na linguística (também conhecida como "a ciência social que deu certo"). A idéia central pra se entender a linguagem humana (ao contrário da dança das abelhas, do cantos dos pássaros, etc) é a capacidade de, usando um conjunto finito de signos combinados seguindo regras (também finitas) é possível construir um conjunto potencialmente infinito de sentenças diferentes. O melhor exemplo disso é a recursividade.
Estruturalismo, sob esse foco, seria uma tentativa de mapear as regras do sistema combinatório que origina as culturas. Sob essa frase inocente já se escondem alguns pressupostos, e pra não enganar ninguém com truques baixos de retórica, vamos deixar claro:
-cem anos de antropologia e linguística mais ou menos organizadas e séculos de história atestam uma variedade imensa na forma como as populações se organizam e pensam, mas a despeito dos esforços racistas, e dos darwinistas sociais, no fundo aparentemente todas as culturas compartilham diversos traços comuns. Vários desses universais tem uma série de tentativas de explicações funcionais/evolutivas, como a teoria do auto-engano proposta por Trivers (bem ancorado na idéia de gene egoísta -mas antes que você sinta o cheiro ideológico neoliberal normalmente associado ao gene egoísta, saiba que Trivers é um cara bem à esquerda disso, na verdade ele foi um dos poucos Panteras Negras brancos), ou simples compartilhamento fisiológico do mesmo modelo de corpo, tipo coisas óbvias, como andar de pé, ou não tão óbvias, como enxergar em cores. Não ria, tem gente que acredita que as culturas variam arbitráriamente, que não existem universais, que não existe nem objetividade (ou maneira de falar sobre isso).

domingo

munich, (ou "a cozinha é grande demais")

Assisti Munich.
Gostei, esperava alguma coisa muito mais pró-israel do que o filme é. Spielberg é cachorro velho, e esse filme é particularmente escorregadio de perceber alguma intenção clara. Não que esse efeito venha de "uma exposição balanceada dos fatos", porque, convenhamos, não é o caso.
Não existe diálogo no filme, não existe uma voz pro Outro. Até a última cena todas as falas podem ser entendidas como um monólogo oscilante, hora confiantes, ora duvidosas. O único personagem constante no filme é o nazi-judeu, inútil se não visto como exemplo da desumanização que sua opinião mostra.
A história consegue tocar um pouco o ideal que (dizem) existiu nos revolucionários dos anos 1960, onde apenas um dos personagens deixa claro que só trabalha por dinheiro, e não com ideologias ou países. Todos os outros hoje seriam motivo de riso. Mas o filme iguala as falas de todos (incluindo as esperanças do protagonista mossad, que em uma cena critica um palestino por acreditar numa retomada de israel -que nunca existirá porque nunca deu indícios de se realizar, se esquecendo que ele mesmo luta por uma paz que não existe e que nunca existiu). É a mesma voz, não existe antagonismo, não existe diferença, fica-se com uma impressão infantilizante.
Mais interessante que isso é a lenta e nebulosa descoberta da própria alienação a qual estão submetidos os mossads. O protagonista começa com um completo entendimento de que se trata de uma missão que fará justiça ao atentado das olimpíadas (punindo seus arquitetos), para a gradual tomada de consciência do real processo de produção, do dano colateral, das vítimas inocentes, das consequências sistêmicas e das reais intenções do Estado israelense. Numa das melhores falas do filme, o cara (já bem desiludido) pergunta algo como "mas nos estávamos matando para substituir os líderes terroristas ou os líderes palestinos"? Afinal de contas, quando o Hamas era só um bando de árabes se explodindo em Tel Aviv eles não eram nada demais. O problema real é quando eles são eleitos, quando são legitimados pelo voto do povo e pelo mundo (que não eua-israel), em um retrospecto institucional -e por isso bem mais perigoso pra israel- do que foi Arafat.
Esse entendimento de que nada começa agora, tudo tem uma história prévia, é dada a conta-gotas no filme, que os ouvidos atentos percebem nas falas que fazem referência à conturbada criação do Estado israelense (ou você engoliu aquela historinha de que a ONU declarou e o império britânico deu israel porque tava com peninha?).
Caminho inverso do meu episódio favorito de Band of Brothers, (why we fight, parafraseando os filmes de propaganda americana da época, todos disponíveis online -eu vi o russo, que é bom pra cacete) no qual a redenção da invasão americana não veio do entendimento do processo histórico (esse cheio de interesses escusos e injustificáveis), mas sim da acidental "descoberta" dos campos de concentração. Depois de sobreviver a um mar de moralidade cinzenta, foi como se os soldados americanos se deparassem com uma barreira escura, que por contraste os aliviava dos próprios horrores cometidos até então. Os campos de concentração americanos não se comparavam. Caralho, nem os gulags eram tão do mal.
Voltando ao Munich, a ausência de uma voz americana é ensurdecedora do ponto de vista zionista. O protagonista, apesar de arriscar tudo que tem por israel, toma sem dó a atitude de ir morar nos eua. Diante da cada vez mais clara desilusão com um país -não mais uma terra prometida- em guerra, ambíguo em sua moralidade e já sem quase nenhum dos bons traços judaicos, só lhe resta desistir. O filme poderia, porque tinha espaço pra isso, ter tocado no ponto forte da questão fascista da própria existência do Estado judaico: quão diferente da alemanha ou japão totalitários (e suas ficções de pureza racial) é um governo que dá preferência à pessoas de certa descendência? Porque não se deixa claro a natureza apartheid da própria idéia de uma israel para os judeus? Frente a isso, morar em NY, que é só um pedaço de chão, é realmente um paraiso humanista.
O filme tem seus deslizes ao tentar justificar tudo o que for possível para a obtenção e manutenção de um salva-guardo pros habitantes de israel (que inclusive nem querem saber como se fazem suas salsichas, como a mãe do protagonista), e isso é belamente ilustrado por uma vitrine de uma cozinha que o protagonista sempre olha quando na frança. Em um momento, um personagem diz: "um dia você pode ter uma dessas, mas é muito caro. Sempre custa caro ter um lar." Mas bem depois, ao reencontrar sua mulher vivendo em NY, o mossad elogia a decoração da casa, ao que ela responde: "a cozinha é grande demais".

sábado

ficção

Robertto nasceu em uma família normal, numa cidade grande. Não acho que foi isso que fez Robertto ser como ele é, porque tem muita gente que nasce numa família normal numa cidade grande que não se parece nem um pouco com ele.
Robertto perdeu o pai cedo, fez terapia, repetiu a quinta série, e se mudou pra uma cidade menor, mas eu não sei o quanto do Robertto saiu disso aí: um monte de gente passa por essas coisas e nem por isso eu sou amigo delas, ou elas são metade do que o Robertto é.
Robertto começou a fumar cedo, se fantasiava de punk e se metia em brigas. Robertto começou nas drogas, e sua mãe assustada o internou numa clínica. Beleza, não é muita gente que passa por essas coisas, mas ainda assim, eu conheço um monte delas, e nenhuma é como o Robertto. Ele é um cara divertido, os outros nesse esquema costumam ser repetitivos, trágicos, ou infantis.
Robertto largou a escola, e de vez em quando sua mãe o empurrava algum emprego ou estágio, que Robertto rapidamente abandonava, tocava o foda-se. Ainda assim, ela bancou um apê pra ele. Isso definitivamente não fez o cara ser do jeito que ele é, ele já era do jeito que é antes, e talvez seja isso a coisa estranha com Robertto: enquanto todo mundo foi deixando de ser criativo, interessante e engraçado, ele continuou sendo. Robertto continua o mesmo muleque maneiro que eu conheci quando tinha 12 anos.

terça-feira

inside london v.1

Vamos então terminar de exorcisar esse fantasma existencialista: quase comprei o clássico dos clássicos (clássico sendo um livro que todo mundo conhece mas ninguém lê), o Ser e o Nada, do Sartre. Por que? simples: além de todo o blábláblá filosófico de tentar justificar o livre arbítrio por uma série de truques linguísticos, é sempre bacana ler essas coisas que ninguém lê e ver as distorções meméticas que rolam, aprofundar a cultura geral, e perceber os moralismos escondidos nos cantos dos supostos amorais. Sacanagem, só queria ler porque ele fala de garçons no livro.
Enfim, desisti, minha cultura geral vai ter que se contentar com aqueles pedaços xerocados da unb mesmo. Até porque, em uma continuação da nossa maré de sorte, conseguimos uma tv gigante. Não que eu consiga ficar muito tempo engolindo bbc, mas agora eu tenho onde ligar o videogame. Pronto, agora é que emburreço de vez. Vou ter que escrever sobre crítica pós-moderna da arte eletrônica, semiótica de narrativas interativas, das impressões culturais nipo-nerds, da relação com a máquina, ética cyborg, etc.
Ou não. Recebi a visita do Fernando (na real...), um dos melhores do meu semestre. Veio passear pela europa com a família, fez muito mais coisa em duas semanas do que eu em nove meses. Quando nos encontramos, um programa de braziliense -tomar uma cerveja e comer umas besteiras em casa. Inevitavelmente ouvi muitas notícias das coisas e das pessoas, e me lembrei que tudo isso continua existindo. Antes de vir, no entanto, Fernando me perguntou se eu queria alguma coisa do Brasil, respondi sem pestanejar "uma cópia do Grande Sertão Veredas". Mais um clássico, tomara que me impeça de perder demais as estribeiras por aqui.
...
Até porque, se existir alguma coisa genuinamente brasileira, com certeza é o sertão. Sem a contaminação de fora que sempre assolou a corte portuguesa e consequentemente a cultura carioca, sem os africanismos do litoral bahiano, e contido inteiro no país, ao contrário dos pampas, da amazônia, do pantanal. Só no sertão emergiu um brasileiro estranhamente distinto, uma raça, quase uma biologização de um pedaço da cultura. Enfim, vou ler o livro.

inside london v


Atualizando, porque escrever correspondencias pessoais é parecido com sexo oral: não importa o quanto se possa divertir fazendo pros outros, receber é muito melhor e mais fácil.
Meus dias de pub se foram, as coisas já estavam insustentáveis (mentira, a necessidade faz quase tudo sustentável), o chefe irlandês embirrou comigo, eu também não gosto muito desse negócio de chefe que não trabalha, cobra trabalho, bebe o dia inteiro e nem sorri, somado à insalubridade da coisa toda, saí fora. Claro que eu não sou tão atitude assim (e menos endinheirado ainda), e só saí porque a Amanda nos descolou uma entrevista em um trampo de telemarketing numa empresa de pesquisa de satisfação do sonsumidor que precisava de brasileiros, pra ligar pra pessoas no Brasil.
O trampo paga muito melhor (ainda não estou roubando emprego de ingleses, um dia chego lá), e é sentadinho, em turnos de 4 horas, sem chefes bêbados ou turistas cheios de falsas promessas de gorjeta. Claro, cheio de ilusões de importância e grandeza que eu sou, ainda tem momentos que acho tudo isso muito non-sense, esses trabalhos de merda, essa situação bizarra e sem propósito algum. Ainda bem que a cura pra isso é fácil: há que se lembrar que qualquer situação é non-sense e sem propósito, convenhamos. Pense na sua vida -ela também não faz sentido e não é nada demais, tu também poderia estar bem melhor, ou fazendo alguma coisa mais importante. nhé.