quarta-feira

F34.1 – 300.4

Depressivos morando sozinhos são inevitavelmente mais vulneráveis aos efeitos graves da coisa, uma rede social que se importe e seja presente na vida da pessoa é um dos fatores vitais pra um manejamento sustentável da condição. Descobri porque esses dias: se tem mais alguém no recinto, é impossível ficar repetindo a mesma música triste trezentas vezes até o suicídio, é muito chato pra quem não tá no clima. Sem clima, sem depressão -claro, a coisa vira pura irritação, mas ninguém se mata porque ficou irritado com a (razoável) discussão que se seguiu a vigésima repetição de algum clipe melancólico do youtube.

Eu, Itararé 11

Amigo do meu amigo não tem necessariamente nada a ver comigo.

hipertexto

Em algum momento vão existir serviços de captação biográfica virtual, ou arqueologia eletrônica de disperção, ou algum outro nome mais marketable.
Explico: até o advento do computador conectado na web 2.0 eram bem poucos os agentes que produziam material personalizado pro consumo das massas. Vídeos, músicas, textos e qualquer outra produção (artística, se você quiser) deixaram de necessitar o capital enorme (equipamentos de produção como estúdios de gravação, gráficas, infra estrutura de distribuição como publicidade em rádio, revistas e tv, etc) que antes eram a base do monopólio das grandes indústrias de mídias.
Aliás, o próprio monopólio tem toda uma história interessante que começa na crise de 1929 quando pequenos estúdios foram se juntando pra sobreviver, e depois comprando os menores. A mesma coisa aconteceu depois da segunda guerra, consolidando a dominancia americana, até a invenção da cassete. Depois veio a internet e a música, cinema e o jornalismo (numeros do mundo e do Brasil) nunca mais foram do mesmo tamanho.

Mas junto a essa queda dos grandes centros produtores de mídia vieram as possibilidades de personalização da produção. Qualquer um agora com acesso a um computador conectado pode produzir algo e disponibilizar pra um público potencialmente gigantesco a custo zero.
E claro, como essas coisas vão parar na rede, ninguém sabe exatamente onde deixou o que, quais caminhos obscuros em redes sociais com ou sem biquini a coisa tomou...
Eis que surge o profissional profecionado: o detetive dos dados, o escondedor de escândalos (eu disse que o nome ainda não foi decidido né?), o abortador de abortos, algo no gênero. O facebook tem um lance que diz com quem o usuário namora. Quanto tempo até disponibilizar uma lista de ex-parceiro(a)s? Será que no futuro vamos poder sobrepor gráficos epidemiológicos sobre redes sociais?
Eis que entra então o biógrafo do banal e queima arquivos, computa relações e resgata fotos comprometedoras. Ou mesmo operações menos extremas, tipo resgatar trabalhos pra escola feitos no google docs e nunca registrados em nenhum hd, emails perdidos de declarações de amor, declarações de imposto de renda, blogs panfletários esquecidos, aquele ensaio da banda que alguém filmou e ninguém sabo onde foi parar. Alguém vai ganhar grana com isso, garantido.

quinta-feira

os melhores livros jamais escritos! 5


Vamos Falar dos Romances que Você Nunca Teve -Livro que narra a primeira temporada do talk show mais popular dos últimos tempos, no qual São Pedro recebe convidados recém falecidos e fala sobre suas oportunidades perdidas ao longo da vida.
Indicado para o Emmy© de melhor entrevistador, São Pedro fala sobre a vida por trás dos bastidores do show mais polêmico da tv aberta, e não poupa ninguém. Tudo sobre as revelações de crença (e descrença) das suas celebridades favoritas, as emoções dos depoimentos familiares e os resultados eletrizantes que decidiram como os convidados passariam o resto da eternidade.
Extras do disco: relatos de Judas, Tiago, Mateus e muito mais!

sexta-feira

inside london vii: a garçonagem invade a educação

Então, seguindo os passos da minha mulher agora eu também trabalho como professor assistente (teaching assistant). Funciona assim: quando por algum motivo a escola precisa de um adulto a mais em sala de aula -seja pra dar uma atenção extra a alunos especiais que tenham down ou autismo- ou simplesmente pra ficar de olho nos mais pestinhas, eles ligam pra essa agência que manda pessoas como eu pra ir quebrar o galho.
Paga bem, o dia corre rápido e ainda dá margem pra tirar mais um troco a noite no telemarketing. Mais que isso, ainda dá pra dizer (aham) que tem alguma coisa a ver com aquela coisa que eu passei cinco anos e meio estudando. Um pequeno preço a se pagar pra não ter que viver em Brasília trabalhando pros mesmos chefes dessas figuras adoráveis do video.
Desobediência civil (de servidores públicos) à parte (mais sobre isso depois), o que esse trampo tem me permitido ver da educação inglesa me deixou muito surpreso. O sistema aqui é bizarro, pra dizer o mínimo. Existe uma ênfase maluca em disciplina e preocupação zero com a qualidade dos professores. O próprio emprego de leigos bem intencionados (como eu) é uma amostra do descaso institucional que a educação sofre aqui. Afinal, as pessoas ririam de um hospital que recrutasse enfermeiros ou médicas de agências que não exigem nada além de uma ficha criminal limpa.
Pra ser honesto, existe um curso formal e toda uma burocracia pra poder ser "oficialmente" um professor na inglaterra, mas como tudo nesse país, ninguém sabe exatamente como funciona, e a variedade de maneiras que existem pra obter a licensa pra ser um professor não ajudam a entender a coisa.
Uma coisa no entanto é fato: o requerimento mínimo pra obter uma dessas licensas é o equivalente ao ensino médio brasileiro, e se você já tem "experiência como professor" (como eu estou tendo agora) o curso dura consideravelmente menos (mas o máximo nunca passa dos dois anos).
O resultado é óbvio mesmo pra quem nunca ouviu falar em cultura institucional -um leigo que "aprenda" na prática com colegas cansados e igualmente destreinados obtem todos os vícios e desilusões vigentes do sistema, e depois em um cursinho de alguns meses algum outro desiludido finge que ensina alguma coisa diferente, ou pior ainda, um acadêmico que nunca trabalhou em campo prega idealizações que serão rapidamente descartados pelo senso de "experiência" do leigo.
Adicione o fato de que as coisas já são assim tem um tempo: aparentemente desde que chegou ao poder, o New Labor teve como compromisso com a educação simplesmente encher as salas de aula com adultos (até agora todas as salas nas quais eu trabalhei tinham pelo menos um professor e dois TA), o que evidentemente não melhora em nada a qualidade da educação, mas apela pro senso comum de que menos alunos por professores seria uma coisa boa.
No fim das contas, a baixa formação exigida, a baixa remuneração e a terceirização dos professores leva a um descaso institucional e pessoal com toda a educação. Se o "educador" não passa de uma bengala que é usada cada dia em um lugar diferente, sem planejamento nenhum, e todos os seus colegas profissionalizados advém da mesma cultura -de tratar o trabalho em sala de aula como os garçons tratam os jantares nos quais trabalham em Londres: só um bico que nunca exige mais do que estar presente na hora combinada, o resultado não é difícil de prever.

quarta-feira

ii

Artélio acordou com o som da polícia batendo em sua porta. Não se assustou. Ele sabia que podia acontecer cedo ou tarde, todos sabiam que era ilegal ser um burocrata. Foram gentis, esperaram ele se vestir, o que o aliviou um pouco. Nunca passou pela sua cabeça sair de casa sem o terno.
Enquanto calçava as meias, via os policiais revistando seu quarto. Alguns faziam discretas caras de nojo quando olhavam pro corpo gordo de Artélio, outros quando viram o lixo cheio de comida congelada; outros ainda quando checavam a tv em frente a cama. Filmaram tudo, até quando ele entrou na viatura.

i

Acordou num Dia De Sol. Tinha ficado assistindo Verdadeiros Amigos até tarde ontem, e a loira que ele gostava (no programa) tinha sido eliminada -ela finalmente gritou com a irmã mais nova, que na verdade já a pentelhava tinha um tempo, pensou Artélio.
Abriu a geladeira. Só tinha suco de abacaxi, e estava lá a semanas, intragável. Tinha comprado numa ânsia de ser diferente, de quebrar a rotina, mas depois do primeiro gole (semanas atrás) já tinha se arrependido de não ter comprado suco de laranja. Não vale a pena ser diferente, pensou.
Passou o resto do Dia De Sol assistindo a reprise semanal de Verdadeiros Amigos, mas continuava achando injusto que a loira tivesse sido eliminada.

sonho

hehe, depois de escrever aquela besteira sobre a rebeldia, sonhei no mesmo dia que estava na unb. participava de alguma manifestação contra alguma autoridade na reitoria, acho que tipo um consuni. penetrava na reunião e me batia um cansaço imenso. os olhares de impaciência e irritação dos professores me davam muito cansaço, como crianças que insistem em não entender quando você fala que acabou o recreio. tentava ser claro e didático com eles, cheguei a escrever na lousa uns pontos específicos (tipo "demandas" da manifestação -que curiosamente não tinha mais ninguém participando), tipo publicar as atas das reuniões, explicitar os detalhes do orçamento da unb pra poderem ser cobrados, essas coisas que a gente fazia na psico. quando começavam a me ouvir, entrou um estudante bem mulambo, talvez com o rosto pintado, e começou a gritar palavras de ordem. os olhares de impaciência voltaram, e eu também olhava pro muleque sem nenhuma paciência, sentindo que teria que explicar tudo de novo pra ele também, só que não dava porque ele estava gritando. o cansaço voltou pior ainda, e uma sensação de que aquelas pessoas se mereciam em seus atos de teatro do absurdo. não que os professores me ouvissem mais, pelo contrário, parecia que todo mundo queria aquela situação de incomunicabilidade -porque lhes evitava o trabalho de terem que se entender. eu então saí da sala, e acordei. tenho tentado genuinamente evitar a típica reação de quem sai da academia, aquela crítica fácil de considerar a universidade como uma torre de marfim cheia de teóricos que não entendem nada da mundo prático... mas caralho, como é fácil desembocar por aí.

Eu, Itararé 10

O casamento é aquela coisa que acontece entre o sexo e a discussão de quem lava os pratos. Mais que a pílula e o divórcio, o que ameaça a moral familiar no mundo moderno é a máquina de lavar louça.

terça-feira

Eu, Itararé 9

O problema da rebeldia de hoje é que os rebeldes de hoje não passam de seguidores dos rebeldes de ontem.