domingo

os outros

-O negócio é que depois que você perde alguém a segunda coisa que todo mundo fala é que a sua vida não precisa terminar também, que é preciso seguir em frente, que uma hora aparece alguém especial. Logo depois essas mesmas pessoas começam a te olhar feio quando te veem acompanhado. Eu posso ser velho mas não sou idiota, eu percebo. Me olham como se eu devesse alguma coisa pra alguém, como se eu tivesse escolha. Eu não escolhi começar a gostar de outra mulher agora, eu não escolhi que o câncer ganhasse depois de dois anos de hospital. O que eu escolhi foi não me esconder no escuro, escolhi não apressar minha própria morte. Eu sei como essas coisas funcionam, trinta anos casado, sem filhos, aposentado: estatisticamente eu sou um homem morto. Eu vejo isso com meus próprios olhos, já tem tempo que todo mês tem velório de conhecidos, as vezes não dá nem pra ir em todos porque as datas coincidem. Você acha engraçado? Se quiser rir de verdade você devia era ver as caras das velhas quando entendem que a minha morena não é neta nem filha nem enfermeira. Primeiro é a surpresa, depois a inveja, e finalmente o desprezo. Um desprezo rancoroso, silencioso, com o canto da boca, com as rugas da testa, o pescoço franzido. Não me dá raiva nem pena, mas eu sinto vontade de ir embora, de ir gastar meu (pouco) tempo em outro lugar. Não é como era no hospital. Lá (eu) tinha muito mais vontade de fugir, mas não queria ir sozinho, queria que ela fugisse comigo, deixasse os tubos, os fios, os médicos, os lençóis. Queria que ela viesse pra casa pra vida continuar como sempre. Agora eu sei que tudo pode acabar a qualquer dia, mas não me incomodo com isso. Me incomoda passar o pouco que me resta olhando tubos, médicos, e esses rostos envelhecidos e pequenos, e fico feliz quando penso que não vou. A melhor coisa que pode acontecer na vida de um velho sozinho é uma morena, mesmo se ela aparecer depois de duas semanas do enterro da sua mulher.

doxa 5


A mera existência de uma potência imperial é um dos grandes empecilhos à democracia local. Tudo e mais um pouco é justificado em função da potência imperial. Ditaduras são criadas e mantidas em resposta à ameaça da potência, no cenário frio onde "guerra é paz". Regimes igualmente escrotos são financiados estrategicamente pela potência por serem aliados contra quem se opõe ao império. A autodeterminação do povo é proporcional à distância dos interesses do império.
Cuba só consegue justificar a desgraça que é por causa da ganancia americana. Taiwan só consegue ser o que é (com dinheiro americano) por conta de Pequim. Barbáries árabes continuam graças a Israel e Irã.
Mas o melhor exemplo tem que ser o Afeganistão, que é um inferno desde os persas, passando por Alexandre, mais gregos, uns (vários) outros indianos, chineses, mongóis, paquistaneses, árabes, russos, ingleses, russos de novo (dessa vez soviéticos), e americanos com uma pitada inglesa. Os nativos já devem instintos adaptados pra guerrilha por conta da seleção natural. Quem quer que consiga ter passado os genes ao longo dos últimos 3 mil anos naquele buraco teve que ser carne de pescoço. Se um dia acharem predisposição genética pra revolta armada, eu aposto que vem dali.

doxa 4

Substitua "puritanos perseguidos politicamente durante a guerra civil inglesa" por "judeus perseguidos durante a segunda guerra mundial na europa". Substitua "destino manifesto" por "terra prometida". "Expansão da colônia pro oeste selvagem" por "expansão dos assentamentos pro leste (também meio selvagem)". Troque "nativos americanos armados com arcos e flechas" por "árabes armados com pedras e bombas caseiras". "Sétima cavalaria" por "mossad". Aposto que o leitor consegue passar horas pensando em outros paralelos.

F34.1 – 300.4

quarta-feira

Eu, Itararé

Sempre tem alguém que não entende.

inside london xiii


Fui devolver uns livros na biblioteca. Sem nenhum motivo particular pra ler outra coisa, acabei pegando uns gibis do batman pra não perder a viagem. A bibliotecária reparou no que eu estava levando pra casa e prestativamente me apontou que tinha "mais desses alí atras, junto com naruto e os outros mangás". Senti uma pequena dose de vergonha espetando meu peito. Não tive outra opção que não voltar na sessão de romances e levar uns clássicos.
Alguém mais exaltado poderia disso construir toda uma gênese apócrifa pro nascimento da alta cultura, toda ela baseada em pequenas espetadas de vergonha ante o julgamento certeiro de mulheres pouco impressionadas com seu mal gosto e falta de formação intelectual. Confúcio mesmo estava na boa lendo dragon ball z e jogando bola, quando de repente percebeu um grupinho de meninas virando os olhos de tédio. Sem outra opção, o coitado teve que escrever toda aquela porra na esperança de se redimir pras mulheres que ele nunca comeu nem nunca leram nada dele.
Repita o último parágrafo com figuras históricas aleatórias. Recheie de piadas anacrônicas. Quando for citar algum grego substitua menininhas por mancebos. Ache graça. Repita até rir.