sábado

não 4

-Não.
-Ainda bem, deus me livre.
-Mas também depende.
-Depende?
-Depende.
-Depende de que? É sim ou não.
-Então não.
-Depende de que? Você não falou.
-Agora tanto faz. Você queria ouvir não, então não. Pronto.
-Queria ouvir? Da onde você tirou que eu queria ouvir?
-Eu perguntei depende, você falou que não, então é não.
-Tá bom então. Depende de que?
-Não, deixa quieto. Já foi.
-ah não. Agora fala. Depende de que?
-Não depende de porra nenhuma. Não. Viu? do jeito que você queria. É sim ou não? então não.
-Acabei de perguntar do que depende. Fala então.
-Não.
-Sério mesmo que você não vai falar?
-Sério mesmo. Não.

não 3

-Não.
-Nem eu.
-Claro que você não, não precisa nem falar.
-Que?
-É óbvio que você não tem nada a ver com isso.
-Óbvio? O que que tem de óbvio?
-Não sei, mas é óbvio. Óbvio é porque não precisa explicar. É óbvio que você não tem nada a ver com isso. Simples.
-Simples pra você, pra mim isso não existe. Como assim óbvio?
-Não sei explicar. É obvio e pronto porra. Fala sério.
-Fala sério você. Você que perguntou. Se era óbvio pra que perguntar?
-Sei lá. Vai que sim... de longe já dá pra ver que não, mas sei lá. E foi você que perguntou. Eu respondi. Você falou porque quis.
-Falei mesmo. Não.
-Óbvio.

não 2

-Não.
-Não mesmo? Logo você?
-Como assim logo eu?
-Você, ué. Toda essa pose, da a maior impressão.
-Até parece.
-To falando, todo mundo acha que sim.
-Tanto faz o que todo mundo acha.
-Mais ou menos né?
-Mais ou menos nada. Tanto faz sim. Eu falei que não, então é não.
-É, mas ainda parece, não adianta.
-Parece nada, você fala isso só pra me sacanear. Você que queria.
-Queria nada.
-ah, queria.
-Nem queria. Nunca quis. E nem parece que eu quero. Já você, tem a maior pinta.
-Mas já disse que não e pronto.
-Tá bom, não precisa ficar assim.
-ai, chega disso. Não e pronto.

não

-Não.
-Sério?
-Sério, nunca. E você?
-Também não. Uma vez quase, mas acabou não rolando.
-Então?
-Então o que?
-O que o que? Você sabe.
-Não sei, me fala, o que?
-Quer agora?
-Agora?
-Agora, porque não?
-Sei lá. Não sei. Acho que não.
-No duro que não?
-No duro. Desculpa.
-...eu meio que esperava. Tudo bem.
-Outro dia, não sei. Hoje não.
-Hoje não.

domingo

Eu, Itararé

Esquecer não é o problema, o problema é achar que lembra.

Eu, Itararé

Não pergunte o que a economia pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pela economia.

terça-feira

garçonagens 3



A garçonagem pode ser uma jornada edificante que te ensina o nome do dragão e transforma os pecados suínos dos antepassados.

domingo

da imprensa iv

O governo, por sua vez, reage ao movimento da grande mídia com as medidas típicas de qualquer aparelho de poder: ameaça o uso da censura e da ação direta. Da mesma maneira que a grande mídia sofre as consequências das suas práticas cristalizadas em uma situação social diferente, o Estado é o mesmo que tinha (e tem) uma série de mecanismos de repressão à liberdade de expressão mais "adequados" ao periodo ditatorial do Brasil.
Governo nenhum nunca é interessado em fiscalização e na livre circulação de idéias (incluindo os frutos podres dessa fiscalização), menos ainda em um país que ainda nutre tanta polarização ao redor de pessoas políticas, ao invés de práticas políticas. Fiscalização serve pra refinar práticas, mas no processo acaba derrubando pessoas.
O oligopólio midiático no Brasil serve pra justificar a idéia de uma verdadeira imprensa golpista, que mereceria o uso da coerção legal para se adequar aos "interesses sociais". O governo convenientemente nunca esclarece quem é esse tal de social e quais são seus interesses, porque obviamente isso não existe. Mesmo que o povo (eu e você e os habitantes do Paranoá) pudesse exercer algum controle sobre a mídia, isso teria de ser mediado de alguma forma institucional que julgasse os méritos de cada demanda do interesse social, e obvío que quem faria esse julgamento é o própio governo. Todo governante adora o povo que quer ele faça exatamente o que ele já queria fazer desde o início.
Mesmo ações com aparente mérito histórico (como o caso da ley de medios Argentina) e raciocínio econômico (como evitar monopólios que são ruins pra economia e pra democracia) são vítimas da suas raízes institucionais (repressivas) que não entendem que os meios de hoje (como a internet) possibilitam ações muito mais eficazes, que inclusive respeitem a liberdade de se opor ao governo (e a democracia, qual o problema disso também?).
Muito mais efetivo do que determinar por lei o tamanho ou o que pode dizer a grande mídia é dar condições estruturais para a desimportância dessas mesmas instituições. Isso já está acontecendo, graças a popularização da internet e do conteúdo gerado localmente. Blogues políticos já rivalizam jornais, reportagens da Globo e anúncios do governo federal são criticados feroz e instantaneamente em redes sociais. A medida que esses meios se disseminam mesmo para as camadas mais pobres do estrato social abre-se finalmente um caminho para a liberdade de imprensa. Isso sim é controle social.

da imprensa iii

As notícias mais gerais, globais ou abstratas (em sumo, a grande mídia) podem ser tratadas de uma infinitude de maneiras. Quer ler sobre a crise financeira? pode-se escolher entre um colunista que tenha uma visão keynisiana sobre a coisa, ou um ardente libertário de mercado, ou ler sobre o mesmo assunto em um panfleto marxista-stalinista. O assunto é tão desapegado do cotidiano da maioria das pessoas que fica difícil inventar algum critério que justifique escolher uma visão sobre a outra. O critério é o gosto de cada um.
E por que seria diferente? A notícia é um objeto de consumo como qualquer outro. Algum ingênuo poderia até dizer que a notícia serve pra informar sobre as coisas. Mas almoçar serve pra alimentar o sistema digestivo, e não é por isso que as pessoas escolhem sempre a refeição mais nutritiva: como tantos objeto de consumo, trata-se de uma questão de gosto. E as pessoas comem (quando podem) o que gostam, do mesmo jeito que procuram ler/ouvir/assistir o que gostam.
Por muito tempo no Brasil o acesso (em termos de poder aquisitivo) à mídia impressa foi restrito a uma camada da população que partilhava uma visão de mundo que pudesse justificar a bizarra situação de privilégio na qual a imensa maioria passava fome e uns poucos tinham dinheiro até pro jornal. Obviamente entre essa freguesia não iriam prosperar publicações dissoantes dessa visão de mundo (quem as compraria?), e como não havia mercado que não esse, a grande mídia hoje não passa da mesma velha coleção de publicações feitas para justificar que poucos tenham muito enquanto muitos tenham pouco.
Nos últimos anos a situação econômica e as práticas do governo federal tem começado a alterar esse quadro de desigualdade, e em particular o governo Lula foi altamente identificado com esse movimento, assumindo um discurso que não só propõe a mudança do quadro social de sempre, como também identifica explicitamente quem eram os defensores ideológicos daquela situação. Esse quase conflito direto levou a uma reação normal da grande mídia, que usa o que pode para minar a continuidade das práticas que a cada dia diminuem a sua importância, que criam espaço pra outras formas de ver a política e que quebram o seu monopólio sobre o mercado, não porque diminuem os consumidores, mas justamente porque aumentam (e não estão comprando jornal).

da imprensa ii

Não é acidente que a chamada "grande mídia" brasileira esteja em franca decadência comercial (e nunca tenha sido muito grande, pra começo de conversa). Um dos motivos pra essa queda é a idéia de que um veículo com peso nacional em políticas do governo é funcionalmente incompatível com um jornalismo que apele ao consumidor que não compartilha as idéias do editor. Em outras palavras, ou você fala sobre o totalitarismo latino e a mudança que a China causa no capitalismo ou você fala sobre a manifestação dos professores do Paranoá.
Não é uma questão de diferença de complexidade (até porque a grande mídia no Brasil consegue falar idiotices bem simplórias sobre economia mundial), mas de escala. O espaço/tempo/recursos para notícias locais (em jornal, rádio ou tv) compete com as notícias nacionais ou globais, e quanto mais ênfase nos aspectos locais, menor o interesse do consumidor distante, daquele que não tem grandes interesses naquela comunidade específica. Mesmo se todo cidadão que habita o Paranoá comprasse o Diario Paranoaense, e mais o dobro disso no resto do país, a tiragem ainda assim não teria a penetração que a grande mídia tem hoje.
As notícias nacionais, por sua própria natureza, não podem se aprofundar na concretude do cotidiano (do Paranoá) sempre. Uma ou outra reportagem pode usar essa comunidade como exemplo de uma questão mais geral (como o ensino público no Brasil), mas se assim fosse sempre, não só o resto do país não se interessaria tanto, mas a própria idéia de que se trata de algo importante nacionalmente seria posta em questão.
Essa dinâmica da reportagem nacional traz o agravante de que para a notícia ter relevância nacional ela pode ou 1. ser uma questão que assola uma parcela considerável da população inteira ou 2. ter a importância para afetar essa mesma população. O tamanho do Brasil deixa muito difícil apurar qualquer que seja o assunto em termos nacionais a tempo de se produzir conteúdo com a frequência (e em tempo real) que um jornal, tv ou rádio precisam. A única alternativa é reportar o que se considera importante o suficiente, sendo impossível outra justificativa que não o julgamento de alguém que decidiu essa importância.
Esse filtro ideológico no que a grande mídia vai reportar é complementado ainda por como a reportagem vai ser abordada, mas mesmo que não fosse, o estrago já estaria feito. Mesmo se a corrupção na receita federal fosse abordada de todos os ângulos possíveis, a escolha em abordar esse assunto (e não a educação no Paranoá) já revela um filtro que elimina o que é mais útil na idéia de um veículo de notícias, que é informar o consumidor sobre os assuntos que o afetam no dia-a-dia.
A objeção de que (por exemplo) e receita federal na verdade tem uma série de conexões que acabam resultando em algo que influencie a escola no Paranoá é pífia: tudo está conectado a tudo, qualquer um consegue pensar em notícias do outro lado do mundo que acabem influenciando os professores do Paranoá, mas porque se dar ao trabalho disso tudo se o jornal pode simplesmente falar sobre a escola em si? E como ele não fala, não é surpresa que o cidadão não se importe muito com o que o jornal veicula.

da imprensa

Vez em quando leio sobre "controle social da mídia". Geralmente isso vem acompanhado de um entendimento de que existe um oligopólio nos grandes produtores de notícias (imprensa impressa, em rádio e tv) no mundo e em especial na America Latina. No Brasil isso é um problema óbvio, em primeiro lugar porque meia dúzia de jornais e revistas e um canal de tv são ridiculamente pouco diversos frente ao tamanho e diversidade social e regional do país. Em segundo lugar, essas instituições tem o péssimo hábito de ser homogêneas em sua visão de mundo.
Esses dois problemas (porque são problemas gravíssimos, em última análise porque são caricaturas economicas do que um mercado de 200 milhões de habitantes poderiam estar consumindo e os empregos e riqueza que isso constituiria) nunca incomodaram tanto quanto agora, não porque o país tem um governo com certas práticas contrárias a visão de mundo desse oligopólio, mas porque essas práticas são o que finalmente está fazendo a massa de miseráveis brasileiros finalmente ascender da condição absurda a que foram submetidos desde os tempos da colônia.
Se fosse o contrário, digamos: se no Brasil a mídia fosse descaradamente a favor do aumento do Estado e da redistribuição de renda, e se isso tivesse sido o lugar comum na política brasileira sempre; e de repente um governo de direita com ênfase na propriedade privada e no Estado mínimo finalmente diminuisse a pobreza, o dilema seria o mesmo: o flagrante descompasso entre a visão de mundo da imprensa e as práticas realmente úteis para o povo.