segunda-feira

Der Wille zur Macht II

Saber se justificar pra si mesmo é uma arte perdida. A arqueologia da auto-justificação. Como nunca achei um manual honesto desse campo esquecido do meta-saber humano, reuni algumas reflexões pra enriquecer o debate comigo mesmo, ainda sem sucesso no meu motivo pra isso (atestando minha falta de habilidade na empreitada):

0. Teorias de porque as pessoas são do jeito que são são um bom começo. Estudando essas propostas, o arqueólogo inevitavelmente se depara com as contradições entre as escolas do ser humano. Existem duas alternativas populares nesse ponto: escolher uma delas (o que por sua vez exige um complicado exercício de auto-justificativa, igual ao paradoxo filosófico do conjunto que se contém a si mesmo, o famoso barbeiro de Russell, que só barbeava os homens que não faziam a própria barba; o paradoxo aparece quando se faz a pergunta de quem barbeia o barbeiro? se ele se barbear, não pode se barbear, mas se não se barbear, está apto a se barbear...) ou tentar fazer uma mistureba pseudo-coerente com algumas teorias menos contraditórias. Exemplos populares de teorias das pessoas são as religiosas (tipo o cristianismo e seu sujeito nascido do pecado, que tem livre-arbítrio, vai pro inferno, céu, tem carne fraca, etc), o marxismo (com seu sujeito feito à imagem e semelhança da sua classe social, moldado pelas condições históricas, etc), a psicanálise (com o complexo de édipo, determinismo afetivo pelas relações na infância, etc), o capitalismo (sujeito racional de Adam Smith, evita risco e quer dinheiro, etc), biologia (todos somos só uns bichos que querem trepar), e por aí vai.

1. Existe um estado médio de saber de si e do mundo que dá a impressão de auto-justificativa de si, mas ele é rapidamente revelado como ilusório assim que se aprende mais sobre a arte (da auto-justificativa).

2. Uma memória cruél dos eventos e opiniões passadas é vital para se evoluir na arte, porque tenho a forte impressão de que o passado exerce algum tipo de influência no presente.

3. A crueldade em aplicar sobre si os critérios de explicação que se aplica aos outros (pessoas, animais e coisas) é muito proveitoso. Julgamentos de caráter dos outros só têm graça se o juiz consegue passar pelos mesmos critérios. Esse eu apelido carinhosamente de "falácia da primeira pedra". Uma interpretação menos covarde do famoso bordão cristão poderia fazer do mundo um lugar muito melhor: não seja um bundão que perdôa tudo porque também pecou, mas sim julgue os outros à vontade, porque você não teme julgamento. De preferência com critérios mais originais do que o velho testamento, e com punições menos bárbaras do que apedrejamento.

4. Qualquer tentativa de justificar os próprios motivos é válida, desde que articulável. Nada pior do que zumbis, no ponto-morto da vida, que não sabem porque são do jeito que são. Ao conseguir expressar (o que acha ser) seus motivos o sujeito se abre ao outro, se bota na roda, cria a possibilidade de diálogo, mudança (de si ou do outro) e de alteridade. Como posso saber que você é diferente de mim se não sei nem como eu sou?

2 comentários:

Aloprado Plantonista disse...

Uma ode a falta de vergonha na cara, o que não é ruim, muito pelo contrario se todos apontassem falhas através de conceitos puramente individuais, acho que sim o mundo seria um lugar melhor.

Eduardo Ferreira disse...

suspeito em dizer sozinho meu caro vazio.

estava discutindo com o Luiz sobre as árvores esses dias e desencanei de pensar em nossa espécie como a perfeita egoísta.

uma conversa boa... deveria estar presente.

abraços