domingo

in God we trust III

A justiça é o maior paizão. Justiça no sentido instituição, nos juízes e leis, nos promotores e assistentes sociais. O conflito que vai parar nas cortes não é terceirizado, mas sim mediado, adicionam-se camadas, buffers, distâncias entre as partes. Como princesas que tem seus cavaleiros para lutar suas batalhas, as partes ficam secundárias, deixando advogados se engajarem em pântanos legais na busca da aprovação do juíz.
A pegadinha que deixa tudo menos bonito pode ser encaixada na metáfora se você imaginar que as princesas podem contratar mais cavaleiros, escudeiros, soldados e tanques de guerra. As camadas entre as partes começam a ganhar um poder desigual, e o pântano onde elas batalham pode ser moldado pelo próprio peso de um dos exércitos mercenários. Como a arena não vai deixar de ser um pântano (porque os legisladores não vão refazer tudo tão cedo, e porque esse pântano beneficia quem tem o peso pra aterra-lo), a sobrevivência do sistema foi condicionada ao acúmulo ainda maior de poder nas mãos dos juízes. Se toda lei que sai do congresso é ambígua justamente pra poder ser aprovada por facções que não concordam em nada, o poder fica com quem interpreta essa lei. No fim das contas, esse esgoto acaba nos mangues, nos pantanos, e o senhor dos pântanos é o juiz.
Por pior que seja essa concentração de poder nas mãos do juiz, esse é o único obstáculo à simples guerra entre as partes. As vezes guerra mesmo, conflito físico, agressão. Por mais que seja ingênuo pensar assim, na visão do senhor dos pântanos as partes perdem um pouco do seu peso pra serem novamente vistas como só dois sujeitos que discordam em alguma coisa.
Essa mudança de foco é poderosa: ela é que justifica todo o sistema judiciário, quiçá todo o Estado. A capacidade de não enchergar toda a diferênça de poder entre os sujeitos, de fingir que somos todos iguais, é o unico empecílio à tirania do mais forte. Não adianta nada valorizar a ação do indivíduo, a vingança que cada um tem direito, se no fim do dia vão existir pessoas tão fracas (por diversos motivos, justos ou não, adiquiridos ou inatos, materiais ou intelectuais, etc) que não podem fazer nada por si, ou sujeitos tão fortes que ninguém consegue tocar, não importa o quão abusivos em suas práticas. Admitir isso é o passo fundamental pra desfazer as ilusões de poder do consumidor, do eleitor (isolado), do herói. As ilusões de igualdade também são desfeitas: o sistema inventa a igualdade justamente porque se ela existisse em si a justiça seria desnecessária. Voltaire disse que se deus não existisse nós teríamos que inventá-lo. Na verdade, a justiça e a igualdade é que tiveram que ser inventadas, com resultados muito melhores, há de se convir.

Um comentário:

Aloprado Plantonista disse...

Esse papo de igualdade tá por fora, o capitalismo nunca foi sobre igualdade, quem diria a justiça. Seja ela divina, profana ou dos homens a dama vedada e sua balança nunca soube o equilibrio, afinal de contas "a corda se rompe no lado mais fraco".