segunda-feira

em defesa do racismo brasileiro 1.4

O final da história bem sucedida de uma política afirmativa (como cotas raciais) é a contradição que mete medo em tanta gente: se depois que os indicadores sociais se igualarem (o que quer que isso signifique -renda, diplomas, senadores, número de eletrodomésticos, expectativa de vida, etc) entre os grupos diferênciados (negros auto-declarados, fotos julgadas pelo cespe, histórico familiar, se o pente engancha no cabelo, etc) ainda vai existir uma divisão racial -a da própria política de cotas.
Claro, isso se resolve fácil, é só botar um prazo pra terminar a política de cotas, ou melhor ainda, deixar claro que metas (de novo, o que quer que isso signifique) se quer atingir, e estipular que uma vez atingidas a legislação se anule.
Mas como disse uma vez Milton Santos, no Brasil ninguém quer ser cidadão, queremos é privilégios. Ser cidadão é ser igual a todos, e num país de fudidos, a moral sempre foi ficar por cima da carne seca. Ninguém quer compartilhar as mesmas regras, o jeitinho e as relações privilegiadas (de sangue, camaradagem, etc) são a expressão maior da falta de apego aos valores de igualdade, e não é de se estranhar que movimentos pra se obter concessões da lei pra uns indivíduos seja visto com suspeita por outros: nunca vi nenhuma proposta de cotas (raciais, sociais, de deficientes físicos, de gênero, etc) com metas definidas. O objetivo (político) nunca é resolver um problema, é ganhar um privilégio.
O que não quer dizer que (as cotas) não sejam uma possível solução pro problema -diversas ações políticas são boas a despeito das intenções de seus autores (fulano só construiu a escola pra ganhar votos, por exemplo). Mas é importante ter em mente que isso não passa de uma ação política (e não uma coisa certa, ou justa, em si). O movimento organizado por cotas raciais não está nem aí pro preconceito contra homossexuais, não se importa nem um pouco com os nordestinos (que a classe média paulistana as vezes se refere como se fossem uma espécie leprosa de sub-humanos muito mais negros que o nanquim), o mesmo pra imigrantes bolivianos ilegais, cadeirantes, etc.
Não se trata de uma questão de justiça, trata-se de um privilégio político pra compensar um preconceito social específico do interesse do movimento. Esperar de um sujeito político (o movimento pró cotas raciais, por exemplo) mais do que isso é como esperar que um senador exija verbas proporcionais pra todos os estados da federação, ao invés de lutar por mais pros seus eleitores (que com certeza estariam sendo injustiçados se não tivessem um pouquinho mais).

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