segunda-feira

Neuras 2.4

O cérebro seria então inútil pra entender a mente? Claro que não. Não importa o quão filosófico o psicólogo se proponha a ser, o contraste com as evidências é a grande ferramenta da ciência. O cérebro (e os experimentos psicológicos de laboratório) são a grande arena de falsiabilidade das teorias da mente. O que começou com o problema da indução tem uma resposta bem funcional (na minha modesta opinião) na idéia do Popper de falseabilidade (que também tem seus probleas filosóficos, particularmente Quine -mas aí já é filosofia pesada- desse que foi um dos poucos behavioristas inteligentes).
Exemplo: um dos principais argumentos de Descartes pra mente ser uma coisa à parte da realidade física (alma, espírito, etc) era sua indivisibilidade. Se ele tivesse conversado com algum médico familiarizado com lesões cerebrais (mesmo naquela época) poderia ter visto as evidências em contrário, como as bizarras alterações cognitivo-comportamentais que Oliver Sacks descreve em seus livros.
Outro exemplo é Aristóteles. Demonstrando o perigo de não ter um método experimental, as conjecturas do grande filósofo o levaram a pensar que a função do cérebro era resfriar o sangue. Eu não consigo imaginar como alguém consegue ignorar tantos motivos pra achar que o cérebro tem alguma coisa a ver com o pensamento, mas Aristóteles conseguiu. Se bem que lembro vivamente de alunos (e professores) na UnB falando que a mente é mais do que o cérebro, ou que a mente seria distribuida pelo corpo todo (?!), ignorando que ninguém nunca ficou amnésico por quebrar o braço, ou curou sua epilepsia com uma cirurgia de redução de estomago...
É no contraste das idéias com as evidências empíricas que se cortam os excessos. É a diferença entre Freud e Cajal, Jung e Ebbinghaus. Importâncias clínicas a parte (e elas são enormes) o impacto que o acúmulo de dados com os quais contrapor teorias teve pra psico e neurologia é muito maior que as idéias em si. Mas dados não criam teorias, dados são acumulados pra corroborar ou destronar idéias. As curvas (e métodos) desenvolvidos por Ebbinghaus tem que fazer parte de qualquer teoria sobre como funcione a memória, mas elas em si não fazem mais do que isso. No entanto, são o suficiente pra criar amplas dúvidas sobre os delírios junguianos. Do mesmo jeito, as descobertas de Cajal puseram (desde aquela época) serias incompatibilidades com as pulsões freudianas.
...
Enfim, é isso. Essa é minha crítica a idéia de que a neurologia é a chave pra se entender a mente.

2 comentários:

FabioV disse...

Tá, vou ser direto:
primeiro: se a gente tirar o fator "evolucão" da jogada, concordo que ficaria beirando o impossível pra gente entender a mente. Mas o mesmo se aplicava às úlceras gástricas (viva o Claude Bernard, aquele vivisseccionista fdp!), e a quase todo conhecimento das neurociências que não veio diretamente de experimentos de psicofísica ou de pacientes que perderam nacos do miolo.

segundo: se é sobre idéias que montam esquemas gerais, e depois sobre acumular dados para comprovar ou negar as idéias, qual o problema da Neurociência Cognitiva? Num acho que os caras têm a chave do paraíso e de todas as verdades na mão, mas acho que eles tem uma boa bússola pra entender a mente, por detrás desses nevoeiros de psicobullshit que tentou dizer que "a mente não pode ser estudada cientificamente"
Pronto. Falei.

the author disse...

Muita calma nessa hora! minha única crítica é de que essa moda de "fotografar o cérebro" não é "A" resposta pros enigmas da mente. Não tem nenhum problema além disso. Outros métodos são necessários (pra se construir teorias que não sejam pura correlação de disparos neurais), como você bem disse -coisas como comparações evolutivas com sistemas mais simples (primatas, ratos, etc). Particularmente eu gosto da idéia de simulação (que é um dos pilares da ciência cognitiva), e acho que é por aí. Só pra deixar mais claro ainda: não tem nada de ERRADO com estudar o cérebro em si, mas é um erro achar que é assim SÓ que vai se chegar a um entendimento da mente. pronto, todo mundo calmo agora.