sexta-feira

Modesta tentativa de minimizar o problema do Estado 2

A modesta tentativa de minimizar o problema do Estado causa reações estranhas nas pessoas. Por um lado, mostra a influência que o simples acesso popular ao funcionamento do governo pode ter nos tempos da internet; e por outro mostra o quanto ainda se tem medo de democracia. Mas me adianto, vamos por partes.

O problema de existir uma organização com poder de decisão sobre o funcionamento da vida das pessoas só existe porque essas mesmas pessoas financiam esse monstro. Em países "desenvolvidos" existe uma cobrança popular sobre o destino desse dinheiro, mas a prerrogativa continua a mesma: "vocês sujeitos bonitinhos de slogan bacana, tomem esse dinheiro e façam mais ou menos o que o jingle disse que vocês fariam".

A declaração de imposto de renda no Brasil já é mais de 95% eletrônica. Ainda existem parcelas significativas de excluídos digitais (que coincidentemente não precisam pagar IR), mas pelas próprias dinâmicas da tecnologia e do mercado isso deve diminuir rápido. Acesso a internet é mais parecido com acesso a televisão do que com acesso a saneamento básico. O barateamento da tecnologia, a miniaturização do maquinário e as possibilidades comerciais (tipo publicidade, comércio eletrônico, etc) forçam a expansão da rede, o que infelizmente não acontece com tratamento de esgoto.

O imposto de renda representa mais ou menos 18% da carga tributária no Brasil. Existem várias outras maneiras de financiar o Estado, mas o imposto de renda é uma das mais populares pelo mundo por uma série de motivos. Pois bem, imagine que cada contribuinte tivesse um mínimo de controle sobre os tostões que paga todo ano. Nada muito radical, não caberia ao cidadão propor políticas inéditas ou implementar novidades no governo, mas simplesmente apontar, com o próprio dedo, onde seus centavos seriam gastos.

A enorme complexidade da máquina pública impede que as pessoas fora do governo saibam detalhes das finanças de cada órgão (na verdade nem o presidente sabe de coisas na sala ao lado -ahem- tamanha a complicação). Mas isso é uma desculpa preguiçosa pra disfarçar a completa falta de profissionalismo na administração do governo. Todo órgão em tese tem uma administração com os números exatos de cada centavo que passa por lá (ou deveria). Do dinheiro pro cafézinho e do salário da faxineira. Subindo e agrupando orçamentos de pequenas estruturas até chegar em divisões maiores como a secretaria da escola, ou o setor geriátrico do hospital. Subindo em generalizaões até a secretaria de educação ou saúde do município, depois do estado, ate chegar ao MEC ou Ministerio da Saúde. No papel essa estrutura organizacional ficaria absurdamente intratável, mas informação estruturada hierarquicamente é algo que qualquer criança entende quando organizada no computador, mesmo nos tempos do DOS. (cd..), (dir), (quem lembra?)

A idéia é a seguinte:

Ao final da declaração do imposto de renda, de posse do valor que o governo vai acabar embolsando, o contribuinte poderia escolher onde seu dinheiro seria gasto. Pegando o seu dinheiro, dividido entre quantos "lugares" do governo o contribuinte quisesse, no nivel de especificidade que o contribuinte quisesse (e tivesse paciência para escolher). Por exemplo: Marivanda pega os R$ 1000,00 que pagou esse ano e coloca 100,00 na central de tratamento de esgoto do Itapoã, 200,00 no banco de horas extras da defensoria pública do fórum do Paranoá, 250,00 na Secretaria de Cultura do GDF e 450,00 no Ministério da Saúde.

Pense em uma interface bem simples, lúdica até. Assim que o contribuinte termina de preencher a declaração normal, aparece o número de dinheiros que o felizardo vai "doar" pra coisa (res) pública. Do lado desse dinheiro aparecem vários botões, cada um com um nome (bem genérico nesse primeiro nível) e um número. Os nomes são coisas como "Segurança", "Saúde", "Transporte", etc. O sujeito então clica em "Transporte" e aparecem outros botões ligados a esse, digamos "Rodoviário", "Aéroviário", "Hidroviário", etc. Nisso o camarada clica em "Rodoviário", daonde aparecem "Transporte Urbano", "Transporte Interestadual", "Pavimentação", etc; de "Transporte Urbano" derivam "Onibus", "Vans", "Bonde", etc; e de "Onibus" chega no extremo de poder escolher a linha que o onibus cobre.

E por aí vai, cada um sempre com um número, que o sujeito pode alterar até o limite do que estiver pagando em imposto. Se o leitor achou complicado a culpa é só da minha falta de talento explicativo, porque qualquer jogo de baralho é mais complicado que isso, inclusive o "paciência" que todo mundo que já ligou um computador conhece. E muito mais simples do que isso aqui.

O governo teria a alternativa pré-estabelecida (default) pra quem não tivesse paciência ou vontade de escolher onde seu dinheiro será alocado. E olha que interessante, mesmo sem o componente democrático da coisa, a capacidade do contribuinte normal de poder ver exatamente os gastos do governo de maneira unificada, intensificados por declarar exatamente onde o dinheiro do contribuinte individual (fator MEU bolso) seria gasto, já seria um avanço em prestação de contas em relação ao que se tem hoje. Na verdade, é o grande ideal de transparência do governo. Só faltava uma ocasião conveniente pro cidadão. Que hora melhor do que justamente quando ele ou ela está pagando pra ter um governo?

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