quarta-feira

livros

As vezes sinto culpa de um vício meu. Tenho o péssimo hábito de ler livros de ciência popular. Como todo vício, esse comportamento não é seletivo, qualquer coisa serve. Terminei hoje um livro sobre a geologia dos supercontinentes. Outro dia foi um de economia financeira. Antes disso um sobre física estatística. Sou um monstro. Eu não presto.
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Toda vez que eu passo em frente a uma livraria ou biblioteca esse instinto aflora. Aqui em Londres ele piorou muito, porque os livros são ridiculamente baratos e existem várias bibliotecas decentes perto da minha casa -todos cheios desses papelotes branquinhos.
Pra piorar, os amigos letrados e as minhas fontes acadêmicas estão do outro lado do atlântico, o que corta a pressão social pra ler outra coisa. Não tem nada nem ninguém pra me lembrar que eu não li crime e castigo ou guerra e paz, que eu nunca terminei de ler a interpretação dos sonhos, ninguém pra tentar me empurrar algum pós-moderno.
A verdade é que eu sempre li qualquer coisa que chegasse a minhas mãos. Tenho amplos conhecimentos místicos/astrológicos/picaretagens new-age-good-vibrations graças a essa falta de critérios, já li mapa astral de menininhas que desataram a chorar com minhas interpretações (mas também coitada, tinha a lua em touro), sei divagar sobre a chama violeta ou i-ching, obviamente passando por extraterrestres: era só isso que tinha pra ler na minha casa quando eu era criança.
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A academia só adicionou critérios novos, tipo esse hábito cretino de começar a ler o livro pelo final, de ser capaz de julgar qualquer coisa escrita pelas referências sem ter que ler uma linha do coitado do autor (que obviamente não escreveu nada de novo). É o entendimento profundo da falta de entendimento dos outros. Pelo menos, soa bem melhor que preconceito.
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Mas a minha fonte verdadeira de angústia é ler poucos livros de verdade, romance mesmo. Esses eu também lia o que quer que me caísse nas mãos, mas hoje quase nada me aparece assim, como o Zé me empurrando algum autor obscuro do naturalismo brasileiro do século xix, ou o Pedro me obrigando a ler Graham Green, ou o Gabriel me socratizando um Marques de Sade. Pra todos os efeitos, leio menos do que no segundo grau, quando pelo menos o Grilo me passava Pedro Juan Gutierrez e coisas do gênero. Hoje sou eu e meu vício.
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Outro dia entre a janela de trabalhar em escola e o telemarketing, me peguei sem nenhum livro pra passar o tempo (que seria algo do tipo a história da tradução da pedra de rosetta, ou introdução ilustrada à lógica). Passei perto da estação de waterloo, onde tem uma livraria mais ridiculamente barata ainda. Bravamente fui na seção de livros (de verdade, romance) e peguei logo três papelotes (por gloriosos £4,99), Gulliver, um de contos do Conrad e uns cliches do Mark Twain. Não confio em traduções inglesas, tradução por tradução leio em português.

Um comentário:

Constança disse...

po, comprei o recordação da casa dos mortos em alemao! e um do emile zola, que nao deve ser tao bom quanto o germinal, chamado Nana.
aproveita os preços dos livros ai e vai comprando uns pra mim tb! lembra dos russos!!!