quarta-feira

o melhor de ontem hoje

A preguiça de escrever coisas novas leva inevitavelmente a caçar outras velhas, do tempo que se era produtivo e acadêmico, embalado pela leitura de textos obscuros de hermeneutica e do tijolão da baleia branca. Esse foi um texto produzido numa disciplina da filosofia em 2005, se não me engano. A gente podia analizar um poema (do heidegger, ou que o heidegger gostava, essas coisas de professor bitolado), ou usar qualquer outra coisa coisa. Como eu tinha acabado de terminar de ler Moby Dick, aproveitei a (única) oportunidade de dar uma utilidade prática em ler os clássicos (que nada mais são do que os livros que todo mundo conhece e ninguém lê). O tamanho diminuto não é culpa minha, isso foi uma de muitas questões de uma prova em sala de aula.


O trecho analisado é o monólogo de Ahab que inaugura o terceiro dia de caça a Moby Dick. Ahab é uma personagem muito forte, com uma história muito peculiar, e isso é marcante em quase todos os seus devaneios, de modo que é prudente dar alguns dados sobre o capitão.
Ahab começa sua história como capitão baleeiro por profissão, e nisso possui grande carisma na liderança da tripulação, e grande saber (supersticioso ou não) sobre as coisas do mar. Após perder sua perna para Moby Dick, o homem se transfigura em puro ódio fervente. A vingança consome-o .
A partir desse momento, Ahab torna-se uma personagem com uma meta só: matar a baleia branca, e todas as suas ações podem ser vistas sob este prisma sem problema algum. Já não precisa mais refletir ou pensar: sabe o que quer e como faze-lo, sem meios-termos ou desvios de rota. Segue seu objetivo com a paixão de quem conhece sua sina, pois se reconhece não como quem a gera, pois não reflete mais, nem mesmo é o calor do ódio que lhe sustenta. Agora Ahab é como a erva vulgar, ou melhor, como o navio condenado, afinal, tem os velames destroçados, uma causa perdida à deriva no mar. Tudo o que pode fazer é seguir os rastros da baleia, numa inevitabilidade que o leva ao fim de seu destino.
Apesar das auto referencias que o capitão fez em seu discurso, a alma real do texto ao meu ver é a metáfora construída com o vento.
O vento que sopra sobre o Pequod, sobre Ahab, é um vento sujo, que já veio de corredores, prisões e hospitais. Um vento que sopra a falta de opções; que sobra o aprisionamento pelos pecados cometidos; um vento que sopra tudo isso de forma doentia, fomentando a loucura. E comete tudo isso de forma covarde: não aceita retaliações, é imaterial como tudo o que é maligno. Fere os homens nus, pois não há defesa nem aconchego contra o destino.
No entanto Ahab encontra graciosidade e glória no mesmo fenômeno, certamente por ser este mesmo vento imutável, imbatível, eterno. Atributos divinos que saltam aos olhos quando contrastados com a instabilidade das coisas mundanas, com a falta de propósito das correntes marinhas e dos mississipis das terras, estes não passam de irrelevancias sem rumo por onde passamos. O vento não: é o que nos leva, sempre reto e imutável, nosso destino.
A contradição é consolidada pela presença dos pólos eternos por onde sopra o destino de todos os homens: o bem e o mal, mas sem nunca se desviar de seu fatal objetivo, a morte inevitável.
E a homenagem ao dia no começo do monólogo? Talvez seja um pressagio do próprio Ahab sobre o último dia da caça, quando cravará seu arpão forjado com sangue pagão em Moby Dick. Porém sem ao menos termos indícios da morte do cachalote, o mesmo ainda naufraga o Pequod. Quanto a Ahab, como predestinado, não é a baleia branca que o mata, mas seu próprio ódio, visto que a corda do arpão lançado por ele mesmo se enrosca em seu pescoço, atando-o para sempre em seu nêmesis.

Moby Dick, capítulo 135. O livro inteiro aqui.

"In his infallible wake, though; but follow that wake, that's all. Helm there; steady, as thou goest, and hast been going. What a lovely day again! were it a new-made world, and made for a summer-house to the angels, and this morning the first of its throwing open to them, a fairer day could not dawn upon that world. Here's food for thought, had Ahab time to think; but Ahab never thinks; he only feels, feels, feels; that's tingling enough for mortal man! to think's audacity. God only has that right and privilege. Thinking is, or ought to be, a coolness and a calmness; and our poor hearts throb, and our poor brains beat too much for that. And yet, I've sometimes thought my brain was very calm- frozen calm, this old skull cracks so, like a glass in which the contents turned to ice, and shiver it. And still this hair is growing now; this moment growing, and heat must breed it; but no, it's like that sort of common grass that will grow anywhere, between the earthy clefts of Greenland ice or in Vesuvius lava. How the wild winds blow it; they whip it about me as the torn shreds of split sails lash the tossed ship they cling to. A vile wind that has no doubt blown ere this through prison corridors and cells, and wards of hospitals, and ventilated them, and now comes blowing hither as innocent as fleeces. Out upon it!- it's tainted. Were I the wind, I'd blow no more on such a wicked, miserable world. I'd crawl somewhere to a cave, and slink there. And yet, 'tis a noble and heroic thing, the wind! who ever conquered it? In every fight it has the last and bitterest blow. Run tilting at it, and you but run through it. Ha! a coward wind that strikes stark naked men, but will not stand to receive a single blow. Even Ahab is a braver thing- a nobler thing than that. Would now the wind but had a body; but all the things that most exasperate and outrage mortal man, all these things are bodiless, but only bodiless as objects, not as agents. There's a most special, a most cunning, oh, a most malicious difference! And yet, I say again, and swear it now, that there's something all glorious and gracious in the wind. These warm Trade Winds, at least, that in the clear heavens blow straight on, in strong and steadfast, vigorous mildness; and veer not from their mark, however the baser currents of the sea may turn and tack, and mightiest Mississippies of the land swift and swerve about, uncertain where to go at last. And by the eternal Poles! these same Trades that so directly blow my good ship on; these Trades, or something like them- something so unchangeable, and full as strong, blow my keeled soul along! To it! Aloft there! What d'ye see?"

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom véio. Cara, volta a estudar sério. mesmo. vai fazer um mestrado, ou ficar bitolando em casa lendo e escrevendo.

Gabriel