domingo

Neurose, robocop e buda


Ao se escrever um programa há que se atentar pra não se botar comandos demais. Quanto mais regras, maior a chance de se rolar algum erro, alguma contradição. A complexidade também costuma lerdar bastante o que quer que você queria fazer com seu programa. Quando o negócio é serio mesmo, a coisa nem roda.
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Neurose -que nem é mais um nome oficial de nada médico- obedece as mesmas regras do programa bugado.
(Aliás, vou me poupar a definição alternativa de neurose. Freud mesmo inverteu o que chamavam de neurose e psicose, e inventou trocentos outros nomes com trocentas outras definições, e teve trocentos seguidores menos humildes ainda que inventaram mais significados e nomes com neurose no meio. Bem, não é a tôa que não se usa mais esse termo. Melhor assim, descanse em paz.)
Mas, ressusitada na era moderna dos computadores (quase um robocop) a neurose pode enfim ter alguma utilidade conceitual. Chamemos de neurose o resultado da rigidez das regras (valores, atitudes, sentimentos, etc) que competem entre si, competem com regras externas (tipo leis, costumes, etc), e com circunstâncias ambientais pela determinação do comportamento do indivíduo.
Ninguém nasce com regras pré-programadas muito complicadas, e o grosso do que é utilizado teve que ser aprendido (socialmente, provavelmente vygotskyanamente). As rotinas aprendidas só colam se elas são adaptativas ao meio de alguma maneira, em geral trazendo benefícios pro indivíduo.
(Nota pros entendidos: não confundir com condicionamento operante, pelo amor de skinner. Sem regras internalizadas não tem como explicar a variação do comportamento, chamar de "generalização" não explica nada.)
O problema da fixação de regras de comportamento foi inicialmente registrado por Sidarta Gautama. O mundo está em constante mudança e a incapacidade de lidar com a transitoriedade das coisas é a base do sofrimento. A permanencia de regras que funcionavam ontem (ou em outro lugar, ou com outra pessoa, etc) tende a levar a comportamentos mal sucedidos. A incapacidade de mudar as regras (ou os valores, as opiniões, os sentimentos, etc) para se adaptar a novos contextos (e o consequente sofrimento) é a neurose.
Assim como a contrapartida computacional, quanto mais detalhado conjunto de regras a ser seguido pelo indivíduo, maior a chance de erros acontecerem. Andar é facil, andar como um militar é mais difícil. Andar num pântano é dificil, mas marchar com água até a cintura... não é a ação em si que tem alguma dificuldade intrínsica, mas como uma é muito mais especificada do que a outra existe uma chance maior de se errar alguma das instruções.
Pode até se falar em sub-rotinas criadas em torno das regras fixas, como que para defende-las, como racionalizações e mitologias. Essa couraça serve como um buffer (em diversos sentidos) ao núcleo neurótico. Um pedaço bom das psicoterapias lida com mudanças nessas sub-rotinas e acaba não lidando com a neurose em si, mas é uma relação complicada mesmo.

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