As palavras podem ser usadas de modo a comunicar alguma coisa, verdadeira ou não. Umberto Eco, tentando uma definição do que seria a semiótica, disse que era uma tentativa de estudar qualquer coisa que pudesse ser usada para mentir. O signo (que pra evitar complicações aqui significa simplesmente): algo que está para alguma outra coisa, que re-presenta algo (ou apresenta de novo, na ausência da coisa primeira -da coisa em si).
Essa definição (que nada mais é do que uma tentativa de explicitar o que intuitivamente todo mundo pensa) tem uma implicação
banal que as vezes choca as mentes educadas demais: se existe representação é porque ela faz referência a algo que não é representação, a algo que a despeito de qualquer mecanismo significativo (linguagem, arte, ideologia, etc) existe independentemente da percepção, existe em si (e isso é um jeito extremamente infeliz -porque complicado- de dizer o que todo mundo sabe, que existe uma distinção entre o que é verdadeiro e o que é falso no mundo).
A visão oposta a essa, que defende a impossibilidade de afirmar a distinção entre orações verdadeiras ou falsas, é uma idéia verbalizada (porque ninguém nunca
vive as consequências práticas do que essa visão implicaria) por um tipo específico de sofista que é particularmente hábil na incapacidade de ser claro quando fala.
Estratagema clássica dessa incapacidade de ser claro é quando algum gênio escreve que "não existe verdade". Bonito né? Profundo que só a porra. Uma pena que não passa de um
erro de linguagem (uma oração sintaticamente correta com a semântica sem sentido). Pense no exemplo bem parecido "não existe altura".
O que é a altura? Onde está a altura? Alguém já viu a altura? Quem são os ingênuos (quase religiosos, diriam os hiperbólicos) que ainda se apegam a falar sobre "pessoas mais altas do que outras", ou montanhas "altas"? Eles não sabem que altura é um conceito superado pela engenhosidade artística das quebras do ideal positivista do século XIX? Você considera alguém com 1,80 de altura alto e eu não (porque pra mim alto tem que ter 2,12), viu? a nossa discordância em um critério único de "quem é alto" é prova da arbitrariedade e consequente inexistência da idéia de "pessoa alta".
Claro, o iluminado nunca vai dar exemplos claros que mostrem a obviedade do erro de negar a existência de um adjetivo (porque é isso, e nada mais do que isso, que "verdade" significa -igualzinho altura). Pode-se discordar a vontade do que se chamaria de "pessoa alta", no entanto alguém que tem 2,12 é sem dúvida mais "alto" do que outro com 1,80. A idéia de que eu estou escrevendo isso em um computador em casa pode bem ser uma mentira, mas é indubitavelmente mais plausível (que obedece condições para ser verdadeiro) do que uma série de alternativas, como 1.eu psicografei esse texto (que no entanto é mais plausível do que); 2.eu psicografei esse texto recebendo um espírito iluminado de um anjo marciano que veio avisar do ragnarok em 2012.
Lógico que não existe a Verdade, do mesmo modo que não existe a Altura. Existem frases verdadeiras em oposição a falsas. E nada melhor do que a facilidade com que todo mundo duvida das mentiras pra se lembrar disso.
O quadro acima se chama "o tempo salvando a verdade da mentira e da inveja" completado um dia antes do suicidio do seu autor, o pintor
François Lemoyne (1688 – 4 julho de 1737). O quadro pode ser visto igualzinho o sofista gosta, a verdade como uma galega que sempre precisa que alguém a resgate, ou como um lembrete aos que prestam atenção na história e sabem que os critérios pra diferenciar verdades e mentiras tem uma relação estreita com o tempo, e que sem eles não existe história.